quarta-feira, 7 de julho de 2021

É preciso ter muita burrice para reclamar do apoio tucano às manifestações


Contra um genocida, toda aliança política se justifica. Foi assim que Churchill e Stálin se uniram contra Hitler, com os americanos de lambuja.

É preciso ter muita burrice política, portanto, para reclamar do apoio tucano às manifestações pelo impeachment de Bolsonaro. E é preciso ser pior que um bolsominion para fazer como alguns militantes do PCO, que no domingo passado partiram para a agressão contra quem também estava contra Bolsonaro na avenida Paulista.

Dito isso, fico um pouco incomodado com as adesões mais recentes à luta pelo impeachment.

Há bastante tempo o presidente vem dizendo que não aceitará uma derrota nas urnas eletrônicas; ele xinga o Supremo Tribunal Federal; estimula manifestações de fanáticos na frente de um quartel do Exército; usa um general pateta para intimidar outros generais —que engolem em seco. Motivos mais que suficientes para o impeachment.

Mas não. Para alguns setores saírem da inércia, foi necessário que aparecessem sinais de corrupção na compra de vacinas.

Bolsonaro faz campanha pela cloroquina, milita contra as máscaras, desrespeita a lei, ironiza as mortes pela pandemia. Outro motivo óbvio para um impeachment.

Mas não. Algumas pessoas só se mexem porque agora surgem denúncias de prevaricação em contratos farmacêuticos.

Tudo bem: nada mais abominável, nada mais criminoso do que boicotar a vacinação de todos os brasileiros para encher o próprio bolso.

Casos de vilania desse tipo são coisa de filme (penso em “O Terceiro Homem”, de Carol Reed); algo que se situa entre Hitler e o dr. Mengele. Mas será que é preciso saber do dr. Mengele para desejar a queda de Hitler?

Imagino bem o que se passa na mente dos que produziram as últimas peças de propaganda contra Bolsonaro. “Vamos procurar apoio nos que votaram nele... Vamos investir na classe média que se sentiu enganada pensando que ia acabar com a corrupção.”

Certo; não há como fazer coisa diferente. O que me deprime é pensar nesse tipo de eleitor. Não se trata nem mesmo do bolsonarista arrependido, que engulo a contragosto. Não se trata simplesmente do cidadão que quer o fim da pilantragem petista (também quero).

É um caso mais sério. É o caso de quem tacitamente aceita a morte dos mais pobres, aceita qualquer ditadura, aceita a destruição da Amazônia —mas corrupção, isso nunca! Considera a tortura menos grave do que a propina.

Prevejo que possam me dizer: “você tolera a propina”. Não, claro que não. É você, meu caro, que tolera golpes, massacres e genocídios. Fez pouco, admita, para provar que não.

Uma pausa para eu respirar um pouco.

Pronto, já me acalmei.

Passo para outra coisa.

Adoro tudo que Antonio Prata escreve neste jornal, mas tenho minhas reservas quanto ao seu artigo do último domingo.

Ele observa, com razão, que bolsonarismo e trumpismo são sintomas de uma crise mais profunda; uma “grande mentira” vem minando, há décadas, o sistema político que estávamos acostumados a ter.

Qual é essa “grande mentira”? Prata diz que muitas pessoas acreditaram “que as democracias liberais, este nosso mundo com eleições, Netflix, cartão de crédito, Peppa Pig, politicamente correto, cross-fit, Carteira de Trabalho, McFlurry, habeas corpus, Fuvest e afins iria melhorar suas vidas, garantir seus direitos básicos e introduzi-las numa sociedade justa, onde todos teriam as mesmas oportunidades.”

Simplesmente não entendo a razão de juntar eleições com Netflix, habeas corpus com Peppa Pig. Uma coisa é democracia, outra é sociedade de consumo neoliberal.

Os pobres não têm direitos garantidos e descreem do sistema. Concordo. Veem-se manipulados pelo populismo de direita. Certo.

Mas será que vem “dos pobres” a maior ameaça ao sistema democrático?

Quando vejo manifestantes a favor de Bolsonaro, o que reconheço são fanáticos de classe média. Contra a democracia, de forma militante e histérica, estão alguns donos de redes varejistas. Sustentando Bolsonaro, o máximo que der, está o pessoal do mercado financeiro.

São esses os golpistas. E, quando se luta por uma “democracia mais inclusiva”, como diz Antonio Prata, ou simplesmente para que se mantenham eleições e habeas corpus, é essa gente que se encarrega de melar o jogo, como já vimos que faz. 


Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário