domingo, 27 de junho de 2021

Uma província de cosmopolitas


Há anos, à saída de uma reunião na Companhia das Letras, em São Paulo, vi sobre um móvel alguns pôsteres de meu livro “Ela é Carioca - Uma Enciclopédia de Ipanema”Eram sobras da sua campanha de lançamento, em 1999. Perguntei se podia levá-los. “Sim, claro”, disseram, e saí com eles enrolados debaixo do braço.

Tomei um táxi para a Ponte Aérea e, no primeiro sinal, um carro parou ao lado com um casal e dois jovens. O homem ao volante me viu e disse: “Ruy! Somos seus leitores, a família toda! Nosso livro favorito é ‘Ela é Carioca’!”. Respondi: “Que bom! Tenho uma surpresa para vocês!”. E passei-lhe um rolo pela janela. O sinal abriu, e o táxi arrancou. Nunca soube quem eram e o que sentiram ao ver o pôster.

“Ela é Carioca” contém agora 238 verbetes de pessoas e instituições que, de 1920 a 1970, tornaram Ipanema —primeiro em surdina; no fim, com estrépito— algo à parte no Brasil. Uma província de cosmopolitas, composta de gente rebelde, criativa, sensual, de coragem quase suicida. E em que alguns liam Kant, outros a direção do vento, e todos eram iguais.

Seus primeiros moradores ilustres foram o médico Alvaro Alvim, pioneiro da radiologia, o múltiplo João do Rio, o gênio Ernesto Nazareth. Em suas várias eras, Ipanema pertenceu a Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Millôr Fernandes, Rubem Braga, Tonia Carrero, Leila Diniz, Danuza Leão, Glauber Rocha, Ferreira Gullar, João Saldanha, Paulo Francis, Helio Oiticica, Josué de Castro, Lucio Cardoso, Mario Pedrosa, Cazuza, Zuzu Angel. Gerou a bossa nova, o Cinema Novo, a esquerda festiva, o Pasquim, a revista Senhor. Uma amiga arriscou: “Foi uma Semana de Arte Moderna que durou 50 anos”.

Ao revisar o livro para a nova edição que acaba de sair, surpreendi-me com que tantos de seus personagens tenham partido nesses 22 anos. Pior para nós, mas sorte deles —o Brasil com que sonharam não é o que temos hoje.


 Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo

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