domingo, 20 de junho de 2021

Cristiano Ronaldo partilha o desdém pela Coca-Cola com Fernando Pessoa


Completamente por acaso, descobriu-se esta semana a diferença fundamental entre Caetano Veloso e Cristiano Ronaldo: o segundo nunca diria "você traz a Coca-Cola, eu tomo".

Foi um episódio que causou grande comoção. Quando chegou à coletiva de imprensa, Cristiano Ronaldo tinha duas garrafas de Coca-Cola à sua frente. Afastou-as e substituiu-as por uma garrafa de água.

De repente, um jornal disse que o gesto de Ronaldo tinha feito com que as ações da Coca-Cola na Bolsa desvalorizassem US$ 4 bilhões. Quando os especialistas vieram explicar que não havia nenhuma relação entre a atitude do jogador e a perda de valor da marca, era tarde.

O mundo inteiro já discutia se era legítimo que Ronaldo tivesse destruído o império de um dos patrocinadores da Eurocopa. A Uefa estava preocupada por ele ter revelado não ser consumidor do produto. Imagino que tenha sido uma surpresa enorme.

"O quê? Este atleta de alta competição não bebe refrigerantes gaseificados? Mas eu pensei que toda a sua dieta se assentasse na ingestão de bebidas açucaradas."

Algumas pessoas lembraram que, em 2006, Ronaldo tinha gravado um comercial para a Coca-Cola. Suponho que a notícia também tenha causado choque.

"Como assim? As pessoas que fazem comerciais não consomem necessariamente os produtos que anunciam? Quer dizer que a gente não pode confiar na propaganda? Começo a desconfiar que ele só fez esse comercial porque foi pago para isso. Será que ele também não tinha caspa quando recomendou aquele xampu?"

Cristiano Ronaldo já disse e fez algumas coisas polêmicas na vida. Sugerir que água é melhor do que Coca-Cola talvez não seja uma delas.

É curioso notar que não é a primeira vez que um português mundialmente conhecido interfere no marketing da Coca-Cola.

No final dos anos 1920, o poeta Fernando Pessoa criou o slogan publicitário da marca, quando ela chegou a Portugal: "Primeiro estranha-se, depois entranha-se". Cristiano Ronaldo concorda com a primeira parte e deseja que a segunda não se concretize.

Curiosamente, tanto em Ronaldo como em Pessoa se verifica igual desdém pela Coca-Cola: para Ronaldo, a bebida tem açúcar a mais; para Pessoa, tinha álcool a menos.


Texto de Ricardo Araújo Pereira, o RAP, na Folha de São Paulo

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