sábado, 27 de fevereiro de 2021

Churrasco, caipirinha e suicídio coletivo

 “Parem esses histéricos! Não tenham medo de morrer!” Uma jujuba para quem adivinhar ou autor dessas frases.

Não, não foi o Jair, embora pudesse ter sido. Foi o Jim. Jim Jones, pastor norte-americano que fundou uma comunidade utópica rural na selva da Guiana. Quando tudo degringolou em Jonestown, em 1978, ele optou por eliminar fisicamente os membros da seita.

Foram 909 pessoas mortas por envenenamento ou tiro. Destas, 304 eram crianças. Muitos obedeceram ao pastor e tomaram ki-suco com cianureto; quem desobedeceu foi assassinado. O próprio Jim se matou com uma bala na cabeça.

O Brasil, hoje, é uma Jonestown com 212 milhões de habitantes.

Sem saber como parar o vírus que mata e corrói a economia, as autoridades convocam a população para o suicídio coletivo.

Vejamos o que disse o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), em transmissão pela internet na quinta-feira (25):

“Dê a sua contribuição. Contribua com a sua família, com a sua cidade, com a sua vida para que a gente salve a economia do município de Porto Alegre.”

Frase longa? Eu edito para você: “Contribua (…) com a sua vida para (…) a economia (…)”.

Das capitais brasileiras, PoA é a que está mais próxima de repetir o pesadelo sanitário de Manaus. O que faz o prefeito? Manda a população se cuidar?

Não, ele convoca todo mundo a sair e comer costela na churrascaria Barranco, a compartilhar uma cuia de mate no parque Farroupilha, a movimentar a economia local.

Deixa de ser maricas, tchê! Contribui com a tua vida, bah! A ordem não poderia ser mais clara: morre e cala a boca. Tá cheio de gente que obedece com gosto.

Em São Paulo, para não peitar os comerciantes, o governador inventou um lockdown disruptivo e inovador: ele ordena o fechamento das coisas no horário em que elas sempre ficam fechadas. Paraná e Distrito Federal farão o mesmo, pois parece ser excelente na contenção da pandemia.

O presidente, com o timing preciso e habitual, discursou contra o uso de máscaras quando o Brasil bateu os 250 mil mortos. Um quarto de milhões de pessoas.

Morreu o equivalente a mais da metade da população de Roraima. A todos os habitantes de São Carlos, Araraquara, Marília ou Jacareí. Às vítimas somadas dos bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki.

Falemos o português que brasileiro entende: três Maracanãs lotados já foram despachados para o cemitério.

E, ainda assim, os caras lá de cima querem que nós levemos a vida normalmente, para salvar a economia. Sem vacina e sem usar máscara, que traz o insuportável sofrimento de sentir o próprio hálito –deve ser mesmo difícil para quem recende a Belzebu.

Jim Jones exterminou seus fiéis quando faltava comida e mal havia água para beber em Jonestown.

Aqui, não. Temos churras à vontade, breja trincando de gelada e até caipirinha. Dá para empacotar ao som de pagode, sertanejo ou funk.

Tá reclamando de quê?

Morra e não encha mais o saco.


Texto de Marcos Nogueira, no blogue Cozinha Bruta, na Folha de São Paulo.

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