terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Conto de Natal


Flávia não gostava do Natal. A família não tinha a tradição de reunir-se. A vida dura e o dinheiro escasso deixaram marcas. Ela achava a data um exagero de comida e gastos desnecessários.

As cartinhas escritas ao Noel, quando criança, por incentivo das professoras, nunca foram atendidas. No ano que pediu uma boneca ganhou um chinelo e um caderno, quando pediu a bicicleta ganhou uma boneca que tinha o nome de Nina escrito em um dos pés. Naquele ano, Flávia ganhou pimenta nas pontas dos dedos para parar de roer as unhas, mas o brinquedo tinha vindo com as unhas roídas e a mãe não parava de dizer que a boneca era linda.

Uma vez o bom velhinho foi na casa de Flávia, não levou presentes, mas era muito carinhoso, pegou a menina de doze anos no colo e alisou mais do que seus cabelos. Por trás da barba, ela sentiu o hálito doce da cana que seu pai sempre teve.

Desde muito jovem trabalhando em bicos e cuidando dos irmãos a jovem nunca teve tempo de estudar, planejar o futuro ou sonhar.

No meio do supletivo se engraçou de Edmilson. Ele limpava as salas do centro comunitário e como ela sempre ficava por último para copiar a matéria eles conversavam. 

No fim de abril do ano seguinte, Flávia madrugou na frente do posto de saúde para conseguir uma ficha. Sentia muita azia e nada parava no estômago. Ficou perturbada com o diagnóstico da gravidez. Ela e Edmilson não tinham ido até o fim, ao menos era assim que ela lembrava.

Escondeu a notícia o que pode, ficou uns meses na casa de uma prima e demorou o tempo da coragem para contar ao namorado.

As camisetas foram ficando curtas, ela cortou o elástico dos shorts. Em dezembro começaram as dores. A criança queria nascer, Flávia vivia no posto, a médica pedia repouso. Edmilson começou a entregar jornais e ela largou as faxinas. Quando a bolsa estourou eles rodaram a cidade de moto atrás de vaga. Acabaram na gruta da Glória. Lá em cima do morro, no hospital Divina Providência nasceu Cristiano, de parto normal e saudável.

Quando Maria o segurou viu em seus olhos todo o seu futuro, todos os milagres, a imensidão do testemunho, mas viu a dor e a cruz. José abraçou os dois em silêncio. Jesus sorriu.

 

Por Bárbara Sanco<https://web.facebook.com/barbara.sanco>

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