quarta-feira, 13 de março de 2019

Quase memória

São as primeiras linhas do romance: "O dia: 28 de novembro de 1995. A hora: aproximadamente vinte, talvez quinze para a uma da tarde. O local: a recepção do Hotel Novo Mundo, aqui ao lado, no Flamengo".
Você deve ter reconhecido: é a abertura de "Quase Memória", livro que marcou a volta de Carlos Heitor Cony à literatura de ficção. Na obra, um porteiro entrega um embrulho ao narrador. Este não é descrito, mas o leitor adivinha nele o próprio Cony, com seu bigode, camisa polo e tênis regata. O pacote deixado no hotel estava impecavelmente amarrado com a mesma técnica usada pelo pai do escritor, morto dez anos antes, e a memória começa a jorrar.
Em breve o Novo Mundo será, também, memória. Mais uma vítima da crise no Rio, que parece só ter poupado as farmácias. Inaugurado em 1950 para a Copa do Mundo, o hotel fechará as portas e deixará 120 funcionários na rua.
Construído em estilo eclético na esquina da rua Silveira Martins com a praia do Flamengo, enorme letreiro verde, na entrada dois leões de bronze (esculpidos por Henri Alfred Jacquemart) e vista para a baía de Guanabara e os jardins do Palácio do Catete, recebeu em suas suítes os presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Lula. Mas placa comemorativa no saguão quem tem é Pelé, com coroa de rei e tudo. Foi lá que o Santos ficou em 1969, antes de Pelé marcar contra o Vasco o gol mil no Maracanã.
O Novo Mundo aparece em dois outros livros: "O Homem que Matou Getúlio Vargas", de Jô Soares, e "O Silêncio da Chuva", de Luiz AlfredoGarcia-Roza. No "Quase Memória", Cony o eternizou: "Passo pelo Hotel Novo Mundo, é a única fachada acesa, revela algum movimento, o resto da rua, do bairro e da cidade está em silêncio, na portaria do hotel talvez esteja chegando um hóspede, vindo do interior de São Paulo, trazendo um embrulho para alguém...".

Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo

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