quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Torturadores reais e chavistas de ficção

Qual a diferença entre uma ameaça e uma bravata? É que numa bravata ninguém acredita —nem mesmo aquele que a profere.
Lula e o PT ostentam um longo histórico de bravatas. Em 2015, o ex-presidente falou em convocar "o exército do Stédile" para lutar contra o impeachment de Dilma Rousseff.
Depois de sua prisão, surgiram faixas e camisetas dizendo que "eleição sem Lula é fraude".
Em sua coluna de segunda-feira (24), Vinicius Mota destaca pontos de um documento petista, publicado após o impeachment. Bela "autocrítica", ironiza ele, com razão.
Para a cúpula do PT, o partido falhou ao "não impedir a sabotagem conservadora" da Polícia Federal e ao "não alterar os currículos das academias militares". O documento citado por Vinicius Mota também lembra que o Executivo, na era Dilma, distribuiu verbas demais aos "monopólios da comunicação".
Mais grave foi a frase da senadora Gleisi Hoffmann, que diante da possibilidade de uma prisão de Lula chegou a dizer que "ia ter de matar gente".
Um momento. Gleisi Hoffmann disse que ia matar gente?
É o que li num artigo de Fernando Schüler, "O paradoxo da democracia brasileira", publicado na Folha de quinta-feira passada (20).
Mas a citação estava errada. A frase de Gleisi era: "Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar".
Foi uma irresponsabilidade. Ela imaginou que algumas pessoas arriscariam a vida em defesa de Lula, mas ao mesmo tempo não se ofereceu para tal sacrifício; entregava a missão, quem sabe, para o "exército de Stédile".
Mas é muito diferente dizer que "matarão pessoas para prender Lula" e dizer que "iremos matar gente para não prender Lula".
A distorção operada por Fernando Schüler em seu artigo é significativa. Reflete o esforço generalizado de neutralizar a fraseologia de Bolsonaro e do general Mourão, insistindo na ideia de que o PT é tão radical e antidemocrático quanto a chapa do PSL.
Retomo as "autocríticas" petistas citadas por Vinicius Mota. Não é certo querer influenciar nas atividades da Polícia Federal. É errado distribuir verbas publicitárias segundo critérios políticos.
Só que, evidentemente, ações desse tipo não configurariam uma ruptura da ordem constitucional. Outros governos democráticos não tiveram escrúpulos em nomear procuradores-gerais da República bem mais camaradas do que Rodrigo Janot.
Quanto a propor uma mudança nos currículos das academias militares, acho que isso seria uma ótima ideia. No mundo das Forças Armadas, nem mesmo a Revolta da Chibata, ocorrida em 1910, foi absorvida —que dizer da Comissão da Verdade.
Passemos ao "exército de Stédile". Uma bravata, como muitas. Péssima, aliás, porque admite que o líder do MST possui nada mais que uma massa de manobra. Bravata, porque Lula sabia perfeitamente que protestos do MST não seriam capazes de enfrentar uma tropa de choque.
Os fatos: chamando ou não de golpe o impeachment de Dilma (pessoalmente acho que foi 80% um golpe), o PT o engoliu. Com protestos e delongas, Lula se entregou à Polícia Federal. Com toda a fraseologia de que "sem Lula a eleição é fraude", Haddad disputa a Presidência e sabe que, se perder, perdeu.
Não que eles sejam bonzinhos. Simplesmente faltou força para barrar o impeachment e para intimidar a Justiça no caso Lula.
No seu auge, Lula não enveredou pelo chavismo. Por que Haddad faria isso agora? É pura ficção.
Serão igualmente "bravatas" as frases de Bolsonaro? Quando ele põe em dúvida a urna eletrônica, fico preocupado, mas não muito —Brizola dizia a mesma coisa. Quando ele fala em "metralhar a petralhada", não acredito que fará isso assim que eleito.
O problema é saber se ele acredita no que está dizendo, e, mais ainda, se seus apoiadores mais extremados estarão dispostos a isso. Ainda mais depois de eleitos.
Se ele decidir fechar o Congresso, convocar uma Constituinte ao estilo Mourão, quem terá forças para defender as instituições?
Bolsonaro diz que o movimento de 1964 não foi um golpe, elogia como "heróis" os torturadores da ditadura, cogitou aumentar o número de membros do STF. Por esse último motivo, aliás, Janaina Paschoal achou melhor não entrar na chapa do capitão reformado. Janaína, pelo menos, não considerou bravata —e me arrisco a dizer que ela entende disso.

Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo

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