sábado, 1 de setembro de 2018

Ditador só em Porto Alegre mesmo

A justiça determinou: Porto Alegre vai continuar homenageando o ditador Castelo Branco.
Só em Porto Alegre mesmo não se pode trocar tirar nome de ditador de rua.
A Espanha vai exumar até o final deste ano o cadáver do ditador Francisco Franco.
O tirano foi enterrado num monumento nacional, o Vale dos Caídos.
O mesmo deverá acontecer com os restos mortais de José António Primo de Rivera, fundador da Falange Espanhola e inspirador do franquismo, que também encontrou abrigo no altar-mor da catedral construída para receber os mortos “por Deus e pela Espanha”. Vai ganhar sepultura lateral.
País sério faz isso.
Desmonta homenagens a quem foi mau exemplo.
Só em Porto Alegre mesmo é que não se pode tirar nome de ditador de uma rua.
Franco atolou a Espanha no obscurantismo por quase 40 anos. As suas “viúvas” ainda choram por ele. Acabou tolerado por democracias, com os Estados Unidos à frente, por seu anticomunismo carola. Nunca uma cultura foi tão pragmática quanto a americana. Por dinheiro, a maior democracia mundial sempre tolerou ditaduras regionais. As marcas do tempo de Franco cabem em poucos termos: fascismo, autoritarismo, repressão e preconceito.
A Espanha franquista foi um paraíso para a exploração modernista: praticamente não havia legislação trabalhista. Muito menos espaço para contestação. Homem de bem era homem calado. Direitos humanos e liberdade de imprensa não rimavam com o franquismo.
Hitler e Franco tinham, além do pendor totalitário indisfarçável, mais um ponto em comum: um só testículo. O que isso significa para a história da humanidade? Em princípio, nada. Ou poderá existir alguma teoria política capaz de explicar a ditadura por um ovo? O leitor desculpará a vulgaridade da expressão como parte de uma hipótese exigindo clareza na terminologia para evitar mal-entendidos.
Não se faz um ditador sem culto à sua personalidade e sem paixões que custem caro. O Real Madrid cresceu à sombra de Franco: ganhou estádio, ajuda para contratar estrelas e arbitragens camaradas. Se a família do generalíssimo não quiser receber os seus restos, sugiro que seja enterrado no Santiago Bernabeu. Uma piada ainda contada revela o medo que as pessoas tinham de Francisco Franco.
– Franco morreu?
– Tem certeza?
– Absoluta.
– Mas quem vai ter coragem de dizer isso a ele?
Francisco Franco era tão simpático que Hitler, ele mesmo, o louco que enfeitiçou a Alemanha, afirmava que encontrar o espanhol era um pouco menos divertido do que perder quatro dentes ao tomar um soco. Os franquistas, porém, só viam qualidades no militar que os conduzia com braço firme e mente estreita: por trás da repressão brutal, viam paz, ordem e harmonia; por trás da censura, viam civismo, respeito e bom comportamento; por trás da desigualdade social imensa, viam os méritos dos vencedores; por trás da paz dos cemitérios, comemoravam a inexistência de baderna e de vagabundagem. Achavam-se no paraíso.
Tirar Franco do Vale dos Caídos é acertar contas com a história.
A extrema-direita espanhola está usando o argumento padrão: não se pode apagar o passado.
Infelizmente não. Mas dá para apagar homenagens indevidas. A Espanha podia aproveitar para liquidar sua patética monarquia, cuja restauração não deixa de ser herança do franquismo.
Porto Alegre vai pagar mico por mais algum tempo.
Entre a Legalidade e a ditadura, ficou com a última.
Eu ficaria com Avenida Elis Regina.
Só em Porto Alegre mesmo não se pode tirar ditador de nome de rua.

Juremir Machado da Silva em seu blog no Correio do Povo

Nenhum comentário:

Postar um comentário