domingo, 16 de setembro de 2018

Gauguin no Taiti

Pode ser uma visão romântica, mas sempre fico com a impressão de que vida de artista é sofrida.  Não de todos. De muitos. Nem vou falar dos sofrimentos de Van Gogh. O momento é de Paul Gauguin por causa do filme sobre ele em cartaz. Eu esperava imagens luminosas do Taiti. O filme é sombrio. O pintor deixou a Europa, mulher e filhos em busca de luz. Sentia-se sufocado no Velho Mundo. Encontrou na Polinésia Francesa, conforme a denominação dos colonizadores, material para obras-primas. Só não conseguiu se livrar dos próprios fantasmas.
Era difícil encontrar comprador para as suas pinturas. Filho de um francês com uma franco-peruana, passou parte da infância em Lima. Casou-se com uma dinamarquesa. Morreu pobre e solitário na Oceania. Quem diria que um dia o seu quadro “quando te casarás?” seria leiloado por quase trezentos milhões de dólares! Quando ele morreu, a linda tela foi negociada por míseros sete francos. Gauguin chegou a trabalhar como estivador para ter o que comer. Também foi operário na construção do canal do Panamá. Ele sofreu por amor, ciúme e falta de reconhecimento. Sofreu, mais do que tudo, por sua obsessão. Sabia que era um grande artista e precisava sustentar isso contra o descrédito generalizado. Artista é isso: estar certo contra o seu tempo.
O artista genial surpreende tanto os seus contemporâneos que estes não estão providos de mecanismos para interpretar o que veem. É o paradoxo da grande arte. Quanto maior a originalidade maior a incompreensão. Claro que essa ideia pode servir de consolo para gente sem talento. Basta imaginar que se está à frente de tudo e de todos. Gauguin era teimoso, temperamental e obcecado. Via arte em tudo. Era louco por exotismo e por meninas exóticas. Hoje, seria considerado pedófilo. Um dos seus amores no Taiti foi Tehura, de 13 anos de idade.
É quase impossível, no Museu d’Orsay, em Paris, não ficar petrificado diante de quadros de Gauguin no Taiti. As cores são tão fortes que quase queimam. A relação entre observador e obra é sensual, epidérmica. Pessoas de horizontes diversos se arrepiam. A frieza nórdica descongela. Eu olho os quadros e penso também no homem. Era um vulcão. Queria a diferença. Foi atrás dela. Buscava a autenticidade. Odiava o colonialismo. Comportou-se muitas vezes como um colonizador violento e irascível. Salvo pelo fato de que não se contentou em saquear temas, corpos e imaginários. Criou. Deixou um legado genial.
O filme é triste. Devastador. Nem os momentos de alegria de Gauguin entre os nativos da Polinésia aliviam a tensão. O artista parece sempre acossado pela sua fome de criação. Quando lhe falta tela para pintar, tem uma espécie de crise de abstinência. Há beleza nessa necessidade de expressão. Há também vertigem, tortura e desespero. Eis um filme que vale a pena ser visto. Não pelo divertimento. Acima de tudo pela reflexão que proporciona sobre a “natureza” dos artistas. A vontade de expressão é como um bicho roendo a pessoa de dentro. Aquilo precisa sair. Só que isso não basta. É preciso encontrar um público.

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