segunda-feira, 5 de março de 2012

Seria possível imaginar um chavismo sem Hugo Chávez?


Seria possível imaginar um chavismo sem Hugo Chávez?

M. Á. Bastenier

Há inúmeros motivos para em certos casos temer e em outros desejar que o resultado das eleições presidenciais de 7 de outubro próximo na Venezuela influa diretamente na experiência chavista. Hugo Chávez, inventor nos últimos 12 anos da refundação-revolução no país, está, como já se suspeitava mas ele não queria reconhecer, gravemente doente. Não é o primeiro caso na história. O presidente da Quinta República francesa, Georges Pompidou, sucessor do general De Gaulle, visivelmente inchado de cortisona em seus últimos meses de mandato, nunca chegou a publicar o que todo mundo adivinhava.
O presidente venezuelano insistiu repetidamente, desde que foi operado em junho passado em Havana de um câncer na pélvis, que sua recuperação tinha sido total. Poucos dias antes que admitisse na semana passada que o mal havia se reproduzido, e que fora operado pela terceira vez em Cuba, um dos que mais soam como eventual sucessor, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, ainda dizia com afetado sarcasmo que a oposição teria uma grande decepção sobre o estado de saúde do presidente. Mas a decepção deve ter sido dele, quando seu chefe falou. Lição recorrente: Hugo Chávez é tão pessoal como governante que nem a seus mais próximos havia contado como estavam as coisas.
Além disso, a convalescença deveria afastá-lo durante semanas de um governo ativo, tanto se permanecer na capital cubana como se regressar a Caracas, e nem por isso ele delegou poderes a seu vice-presidente, Elías Jaua.
As nomeações dos últimos meses indicam, entretanto, o que poderia ser um projeto de plano sucessório. Em novembro de 2010 Chávez escolheu o general Henry de Jesús Rangel Silva como comandante em chefe do exército, militar da linha ultrachavista, que ao ser designado já avisou que a milícia não aceitaria uma mudança de rumo em consequência das eleições, e que esteve com Chávez no fracassado golpe de Estado de 4 de fevereiro de 1992.
Assim como Rangel, os generais Hugo Carvajal, chefe da inteligência militar; Manuel Bernal, chefe da guarda presidencial, e Jesús Suárez, da 42ª brigada paraquedista, todos eles recém designados, participaram, como o próprio Cabello, da intentona golpista. Entre as últimas nomeações de peso, só a do general Clíver Alcalá, hoje chefe da 4ª Divisão, a mais bem dotada das forças armadas, com novíssimo material russo, não pertence ao círculo de 92.
Se houver sucessão, o Chavismo Dois ou pós-chavismo, no caso de o governo ganhar as eleições, vestirá uniforme. Chávez fracassou, ou nem sequer o propôs, em institucionalizar a chamada revolução bolivariana. O chavismo foi concebido como uma religião política, assim como o marxismo-leninismo na União Soviética e na Cuba castrista.
E para se institucionalizar, além de ter um sucessor reconhecível, o chavismo deveria ter sistematizado a fé, organizado o mito que tem como primeira deidade o libertador Simón Bolívar e tentado racionalizar politicamente um mistério, o socialismo do século 21, que hoje continua sendo somente um nome. Como diz o brilhante biógrafo do líder, Alberto Barrera: "Chávez é a emoção através da qual o povo se conecta com o poder". Mas o que há por trás desse vínculo com matizes de encantamento?
Por enquanto, um despotismo social, um estatismo autoritário que se define pela existência do líder-caudilho, possuidor do carisma popular que lhe permita interpretar, como fez, sua própria Constituição com a flexibilidade necessária para favorecer sua vitória nas urnas, mas que entretanto não levou o projeto bolivariano a suas últimas consequências: a ditadura.
Esse sistema híbrido, do qual o líder intelectual da oposição, Teodoro Petkoff, disse a "El País" que se encaminhava para "um totalitarismo 'light'" - tão híbrido quanto essa própria contradição em termos - é dificilmente institucionalizável, porque se não fechar a via ao poder de outras forças não pode garantir sua própria sucessão.
Em suas copiosas mas certamente desordenadas leituras, ignora-se se o presidente terá prestado atenção nas palavras de Maquiavel: "Não é salvação de uma república contar com um príncipe que governa com prudência - do que jamais se poderia acusar Chávez -, mas sim com um que a regule de tal modo que, mesmo quando falte, fique preservada". Por isso é difícil imaginar um chavismo sem Chávez.
 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves



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