terça-feira, 3 de maio de 2011

"Somos definidos por números"

Em uma sociedade carregada de dados, somos definidos por números
 

Alina Tugend

Eu tenho uma confissão a fazer. Eu comecei a usar o Twitter há seis meses e observei avidamente meu número de “seguidores” aumentar –de 20 para 30 para 40. Eu cheguei aos 60 e de repente estagnei –uns poucos seguiam e então (tristeza) deixavam de seguir.

A certa altura, eu registrei meus filhos, que nem mesmo usavam o Twitter, para me seguir. Apesar de parte de mim ficar rindo de mim mesma –quão insensato é isso?– eu também sentia prazer em ver meus números aumentarem.
 
Números e rankings estão por toda parte. E não falo apenas de seguidores do Twitter e amigos no Facebook. No mundo do jornalismo, é quantas pessoas “gostam” de um artigo ou blog. Quantos o retuitaram ou o enviaram por e-mail?

Off-line, nós também estamos nos voltando cada vez mais para números e rankings. Nós usamos testes padronizados para avaliar professores e alunos. As empresas de pesquisa já começaram a nos dizer quem está em alta e quem está em baixa na eleição presidencial de 2012. As empresas têm ratings de crédito. Nós temos pontuação de crédito.

E apesar da maioria das pessoas reconhecer que há milhões de formas de julgar faculdades e universidades, os rankings anuais da U.S. News & World Report das instituições de ensino superior ganharam importância quase bíblica.

“Os números tornam tangíveis coisas intangíveis”, disse Jonah Lehrer, um jornalista e autor de “O Momento Decisivo” (Best Business, 2010). “Eles dão a ilusão de controle.”

Pessoas demais que compram carros, por exemplo, se fixam em quantos cavalos de potência tem o motor, apesar de na maioria dos casos isso não importar, disse Lehrer

“Nós queremos quantificar tudo”, ele prosseguiu, “para basear uma decisão em fato, em vez de perguntar se essa variável importa”.

Antes mesmo que pudéssemos medir –e exibir– números online, alguns há muito são pontos de referência. Considere os muitos anos que os fãs acompanham meticulosamente as estatísticas de beisebol.

E nós frequentemente precisamos encontrar formas de medir e avaliar pessoas e produtos da forma mais objetiva possível.

O problema é quando nos apoiamos de modo cego e negligente nesses números para nos dizerem tudo, disse Sherry Turkle, uma professora de estudos sociais da ciência e tecnologia, assim como diretora da Iniciativa sobre Tecnologia e o Eu do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Os números se tornaram não apenas parte de como julgamos e avaliamos, mas o único modo.

“Uma das fantasias do ranking numérico é você saber como chegou lá”, disse Turkle, que é autora de “Alone Together: Why We Expect More From Technology and Less From Each Other” (Basic Books, 2011). “Mas o problema é se os números são obtidos de modo irracional, ou abstrato, de modo que não entendemos como chegamos até eles, então qual é a utilidade deles?”

Michael Winerip, um colega do “New York Times”, escreveu recentemente um artigo sobre uma excelente e excepcionalmente dedicada professora do ensino médio, com ótimas avaliações de desempenho. Mas uma fórmula usada pelo Departamento de Educação de Nova York colocava a professora bem abaixo da média de seus pares.

Aquela fórmula usava 32 variáveis inseridas em um modelo estatístico que “parece transparente, mas é tão claro quanto lama”, escreveu Winerip.

E mesmo se entendermos os números –algo aparentemente tão claro quanto o número de livros vendidos por um autor– eles nem sempre são de ajuda.

Robin Black, uma escritora de uma coleção de contos, “If I Loved You, I Would Tell You This,” (Random House, 2010), escreveu em um blog sobre como a preocupação com as formas de medir o sucesso de seu livro ofuscou o motivo para ela tê-lo escrito.

“Eu vou a um lugar onde tudo tem um número”, me disse Black. “Quantas cópias de pré-venda, quantas críticas, quantos exemplares vendidos.”

A Amazon possibilitou recentemente aos autores checarem quantos livros eles venderam e, usando mapas interativos, até mesmo verificar quantos exemplares foram vendidos em quais cidades.

“Há 20 anos, talvez você olhasse todo domingo para a lista de best sellers do ‘New York Times’”, ela disse. “Agora você pode se torturar 24 horas por dia, sete dias por semana. Se transforma em um exercício de ficar arrancando casca de ferida.”

E essas estatísticas em preto-e-branco, apesar de irrefutáveis de certo modo, realmente não nos dizem nada. Os rankings de vendas de livros da Amazon, por exemplo –que qualquer pessoa pode ver– podem variar enormemente com base na venda de alguns poucos exemplares.

Todos esses números nos ajudam a perder de vista o motivo para realmente estarmos fazendo o que estamos fazendo. Black, por exemplo, disse que seus livros tratam em grande parte sobre a perda.

“Eu recebi uma carta de uma pessoa que disse: ‘Minha filha morreu e a leitura de seu livro realmente ajudou’”, disse Black. “Isso é o que importa. Como posso comparar isso a 500 seguidores no Twitter?”

Eric Frankel é fundador de uma empresa chamada 10 Minutes to Change, que trabalha em estratégias de recursos humanos e gestão de talento, o que significa descobrir como melhorar o desempenho dos funcionários.

Ele também é um contador formado, de modo que ele sabe a importância dos números. Mas, ele disse: “Só porque temos a capacidade de medir tudo não significa que devemos. As pessoas mudam sempre, são fascinantes e incrivelmente frustrantes”.

Números para avaliar o potencial de um funcionário, o trabalho em equipe e vendas não podem e nem devem substituir o instinto, o contato direto e a interação, disse Frankel. Até mesmo olheiros profissionais de beisebol, que têm acesso a todo tipo de estatística concebível, sabem que o verdadeiro valor está “repleto de intangíveis obtidos por observação direta, orientação da equipe, modo de ser, hábitos de trabalho, capacidade de liderança e presença profissional”, ele disse.

Essa dependência e confiança exagerada nos números é, até certo ponto, uma característica desta geração, disse Howard Gardner, um professor de educação e cognição da Escola de Pós-Graduação em Educação de Harvard.

“Para quase todo mundo nos Estados Unidos com menos de 25 anos, os únicos modelos são rankings quantificáveis”, ele disse.

Assim, quando os estudantes estão pesquisando para um trabalho, como eles escolhem o local de maior confiabilidade? Frequentemente, ele disse, procurando por artigos e trabalhos online que tiveram maior número de acessos.

“Vamos comparar a Enciclopédia Britânica com a Wikipédia”, disse Gardner, que é o autor de “Truth, Beauty and Goodness Reframed” (Basic Books, 2011). “O fato de ter tido o maior número de acessos ou o maior número de editores a torna melhor do que alguém que passou a vida inteira estudando Kant?”

A obsessão com números, ele disse, significa que não confiamos e nem mesmo olhamos para intangíveis que não podem ser medidas, como sabedoria, juízo e perícia.

Nós também perdemos um senso de nós mesmos como algo exceto um número e uma classificação, e começamos a nos sentir mal caso nossos números fiquem aquém dos números dos outros.

Lehrer, em uma postagem em blog intitulada “Ansiedade do Status Online” em seu site, escreveu: “O que mais me incomoda é o desejo dos indivíduos (especialmente o meu mesmo) de checar constantemente esses números, e aceitar essas medições como uma medida de algo significativo”.

Ele prosseguiu: “Esse é o motivo para desejar que existisse uma plataforma social popular que não medisse nada. Eu duvido que uma plataforma dessas existirá algum dia –nós claramente queremos hierarquias explícitas, mesmo quando elas nos enlouquecem– mas certamente seria um alívio”.

A propósito, 320 pessoas “gostaram” daquela postagem.

O mais frustrante para aqueles entre nós que têm uma tendência de obsessão por rankings é saber que podemos simplesmente nos recusar a ficar checando. E se por acaso virmos como está a medição de nosso blog, livro ou número de amigos online, nós também podemos nos lembrar que essas estatísticas só têm a importância que estamos dispostos a atribuir para elas.

Tradução: George El Khouri Andolfato


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