quarta-feira, 11 de maio de 2011

Pensar positivo

PENSAR POSITIVO
Juremir Machado da Silva

Não escondo nada de vocês. Revelo todas as minhas obsessões. Sempre quis escrever crônicas como se estivesse conversando com os leitores no único lugar em que as conversas são realmente levadas a sério: uma mesa de bar. Antes de escrever, penso assim: o assunto deve ser relevante para a maioria; o enfoque, positivo; a concepção de mundo, generosa. Três questões me perseguem: por que as pessoas se drogam? Como motivar um desmotivado sem lhe dizer 'motive-se'? Como fazer com que os mais pobres lutem dez vezes mais para alcançar cinco vezes menos? Quando começo a escrever sou devorado por demônios internos que estragam tudo. Eles é que são os responsáveis pelo meu estilo. A primeira questão se transforma em 'por que há pessoas que não se drogam?'. Ou 'como conseguem?'. A segunda é mais nuançada. Planejo estimular as pessoas com lições de vida. Falar de gente que trabalha de dia e passa a noite lendo. Citar homens e mulheres que aprenderam a ler tardiamente e já escrevem cartas para os familiares deixados para trás nalgum lugar do Brasil profundo.
Empaco na terceira questão. Vem um diabo sociológico e me sussurra besteiras nos ouvidos. Não conheço um só filho de classe média (de média para cima) que não tenha cursado uma faculdade. Conheço muitos filhos de classe média baixa que, mesmo com alguma chance de entrar numa universidade, desistem por falta de ânimo, ausência de ambição, cansaço existencial. Já vi rapazes carregar pedras nas costas. Mas, diante de algumas horas de estudo, desabam de cansaço. São fracos, preguiçosos, burros? Não. Claro que não. Pertencem a categorias sociais forjadas para um presenteísmo da derrota. Começo a teorizar. Perco a crônica e o bom senso. Respiro fundo. Repito o título de um livro: 'Pra cima com a viga, moçada'. Vamos à luta. Tenho vontade de dizer a cada menino pobre: o estudo ainda compensa. Vejo favela. O capitalismo mata por omissão de socorro. Não há paredão. Todos podem berrar livremente. Uivar como cães ao sol do meio-dia. Existem estádios de futebol para o exercício do grito ritual. Evita problemas com a vizinhança. A destruição em doses homeopáticas não é crime. Ninguém mais propõe rediscutir o contrato social que tornou o planeta propriedade de poucos. Deve ser por isso que não consigo entrar no mercado da autoajuda. Estou perdendo uma grana preta.

jornalista

Correio do Povo
Porto Alegre - RS - Brasil


Origem: Correio do Povo, de 9 de junho de 2004 - http://www.cpovo.net/jornal/A109/N253/HTML/COLABORA.HTM

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