sábado, 17 de dezembro de 2022

As crianças têm uma única responsabilidade: sustentar a magia do Natal


Minha família já está em polvorosa organizando a tradicional e inescapável ceia natalina. Assuntos de grande importância pipocam no grupo de WhatsApp, todos relacionados à comida. Nosso pequeno núcleo familiar preza por uma mesa farta para suprir a falta que se manifesta nesta época do ano: não temos crianças na família.

Natal, essa época tão lúdica e nostálgica, na presença de crianças é completamente diferente. Estamos falando de um pessoalzinho que realmente acredita que um senhor saiu do Polo Norte sobrevoando todos os lares do mundo em um trenó, e que conseguiu, na surdina, invadir sua casa para deixar-lhe alguns presentes.

Presentes esses recebidos com euforia excepcional. Lembro da sensação de tirar de uma caixa um Nintendo 64. Hoje, recebo de bom grado um kit de sais de banho. É por isso que ouso dizer que as crianças têm uma única responsabilidade: sustentar a magia do Natal.

Nem eu nem meus irmãos tivemos filhos —ainda? E mesmo assim, neste ano, decidi presentear as crianças da minha família. Não sabia nada sobre a infância de meus pais e de minha avó. Aproveitei a intensa comunicação sobre o menu natalino para perguntar sobre as memórias mais felizes que guardam dessa época.

Minha mãe ganhou um concurso literário quando tinha dez anos e o prêmio era uma caneta tinteiro de ouro. A maior alegria do meu pai era ir nas matinês do Cinema Pax, aos domingos, assistir ao desenho "Tom & Jerry". Minha avó era apaixonada por seu boneco Bob, com corpo de pano e membros de porcelana, que a acompanhava em todos os lugares e nunca perdeu uma lasquinha sequer, tamanho o cuidado que ela tinha com ele.

Minha irmã nos perturbava com um arco e flecha de brinquedo. Gostava de se esconder atrás dos móveis e esperar o tempo que fosse preciso até alguém passar pela sala e tornar-se seu alvo. Meu irmão, que tem síndrome de Asperger, sempre gostou de brincar sozinho, imerso em mundos imaginários, mas era aficionado por jogos de tabuleiro, que permitiam uma conexão com a gente.

Minha lista de compras já está pronta. Agora só preciso saber onde encontrar uma caneta tinteiro, miniaturas de "Tom & Jerry", um boneco de porcelana, um arco e flecha, e escolher um jogo de tabuleiro. É o melhor presente que posso dar à pequena Manuela, que amava o Natal até às frutas cristalizadas: uma noite feliz.


Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo

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