quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Um telefone sempre toca na hora errada


Desenvolvi um tipo de fobia social muito específica que só se manifesta quando ponho um aparelho no ouvido. Pertenço à categoria cada vez mais numerosa de gente que odeia atender o telefone. Pior ainda: odeio que ele toque. Toda vez que meu telefone vibra fico ao mesmo tempo surpreso e puto, como se o aparelho estivesse improvisando, indo além da sua alçada. Olho pra ele como olharia pra uma geladeira que começasse a tocar sanfona: "Não foi pra isso que eu te comprei".

Talvez o incômodo venha do motivo da ligação. Em 99% dos casos trata-se de um número desconhecido de Birigui tentando me vender um cartão de crédito. Mas também sofro quando ligam de casa. Ou do trabalho. Sobretudo do trabalho. Um telefone tocando sempre incomoda.

Não lembro se já era assim antes do WhatsApp, mas tenho certeza de que o ódio ao telefonema piorou depois que ele começou a rarear. Quanto menos um telefone toca, mais chateia quando toca. A raridade da ligação gerou uma alergia ao toque. Um telefone, quando toca, sempre toca na hora errada.

Hoje uma ligação sempre pega o ser humano de surpresa, como se fosse uma tragédia natural, um choque elétrico, uma barata no banheiro. Recebo um telefonema como o carioca recebeu as Olimpíadas: despreparado pra um evento desse porte.

Resultado: minha geração perdeu os macetes da ligação telefônica. Falamos no telefone como babuínos, com pausas esquisitas, nunca sabemos quando desligar.

Os defensores da ligação argumentam: telefone é bom que você resolve na hora. Sim. Esse é o problema.

Não quero resolver nada na hora. Não gosto, nem consigo. Que pesadelo uma tecnologia que serve pra te obrigar a resolver coisas na hora. Toda ligação põe um revólver na cabeça: "Resolve isso agora. Estou esperando". Deus me livre.

Já que é pra ressuscitar velhas tecnologias, queria sugerir que voltássemos todos pro email. A correspondência epistolar permite que cada um tome o tempo que quiser pra responder —ou simplesmente não responder.

Um email tem essa grande vantagem: nem sempre chega. Às vezes volta. Uma tecnologia que se preze tem que falhar. Um email sempre pode ter se extraviado.

"Não vi, deve ter voltado", você diz, e acreditam: email às vezes volta, às vezes vai pro spam.

Saudade de quando a comunicação não funcionava tão bem. O sucesso das relações humanas depende de uma tecnologia pouco confiável.


Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo

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