quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

O pior inimigo de Bolsonaro é o brasileiro

Pela primeira vez na história, o Brasil está concorrendo ao Oscar de melhor documentário.
O prêmio mais prestigioso do mundo pode ser entregue a uma brasileira. Em vez de torcida ou de um simples parabéns, o que o governo entregou foi uma declaração chamando Petra Costa de “militante anti-Brasil” —no mesmo dia em que o presidente tuitou o vídeo racista de Alexandre Garcia. 
“Se a gente trocasse de população com o Japão, e esperássemos (sic) dez anos pra ver o que aconteceria aqui, lá eu não quero nem pensar (risos), alguém duvida que os japoneses transformariam o país em primeira potência mundial?” 
A plateia, formada por brasileiros, aplaude. Talvez não se considerem brasileiros. Talvez o público, por morar em Orlando e ter sobrenome alemão, ou por ter casa em Lisboa e sobrenome libanês, ou por ter conta na Suíça e sobrenome italiano, não se considere brasileiro. Brasileiros são os outros.
Isso deveria ser grave: o presidente do Brasil acredita que nossa miséria é fruto da nossa inferioridade como raça. De todas as razões possíveis pro nosso subdesenvolvimento —nosso passado colonial, nossa democracia recente, o descaso com a educação, a elite escravocrata, a sucessão de governos corruptos— o presidente escolheu culpar a incapacidade do seu povo. Descobri que sou patriota, porque isso pra mim justificaria um impeachment.
O pior inimigo desse governo não é a corrupção nem o comunismo, é o brasileiro. Bolsonaro odeia assumidamente o seu povo, num caso raro de autoxenofobia. O presidente tem com o brasileiro a mesma relação que a extrema direita europeia tem com muçulmanos, e Trump tem com os mexicanos —tanto é que apoiou o encarceramento e a deportação de brasileiros algemados. 
Bolsonaro: o Brasil é maior que o Vivendas da Barra, é melhor que o PSL. Se você odeia o brasileiro, talvez esteja convivendo com os brasileiros errados. Nem todo brasileiro é corrupto, preguiçoso, rentista e miliciano. Mas, se acredita nisso, vale ressuscitar o slogan da ditadura, tão cara a Alexandre Garcia —porta-voz de Figueiredo— “Brasil, ame ou deixe-o”. Se você odeia tanto o nosso povo e tudo o que ele produz, vai embora, amigão. Tem 190 países nessa vasta terra plana —por que insistir nessa gente que você despreza?
Aqui tem 200 milhões de pessoas trabalhando incansavelmente e nem todo o mundo tem uma loja da Kopenhagen pra lavar dinheiro. Resumindo: vai pro Japão! Não sei se dura muito sem imunidade.

Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo

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