quinta-feira, 9 de maio de 2019

O amor está no ar

Como se comportar dentro de um avião em relação a outras pessoas? O que pode nos esperar, especialmente em longas viagens, quando viajamos sozinhos e não com parentes ou amigos?
Eu gosto de me isolar. O avião é uma espécie de câmera de descompressão (bem, tecnicamente é o contrário disso, um tubo pressurizado, mas... é um corte na rotina, raro momento de isolamento por horas e horas a fio).
Então tento ficar na minha, mesmo quando o passageiro ao lado está louco para socializar. Desde sempre eu sentava e abria um livro enorme (mesmo que não lesse) para desestimular vizinhos que gostassem de puxar conversa.
Entre as alternativas mais modernas, hoje me apresso a ligar o computador e fazer cara de compenetrado. Fones de ouvido e tablets cumprem função semelhante. Um filme passando na telinha à sua frente funciona eficientemente. Máscaras de dormir, imbatíveis. Melhor, só máscaras mais fones de ouvido.
O problema é que os voos de classe econômica cada vez menos colaboram para a sua privacidade. 
Em vários as poltronas nem sequer reclinam mais, obrigando todos os passageiros a não só perfilarem seus ombros a poucos centímetros de distância, como também a se manterem exatamente no mesmo ângulo —nem mesmo alguns graus de privacidade nos permitem mais.
Até na classe executiva, são muitas —talvez a maioria— as companhias que mantêm o velho conceito que chamo de verdadeiro airbus, o “busão aéreo”, pois as cadeiras fazem aquilo que os ônibus-leito sempre fizeram, e bem melhor: reclinar totalmente. 
A diferença é que nos ônibus as poltronas são mais largas e macias.
A exceção fica para as companhias que adotaram a tendência de fazer dos assentos da executiva pequenos casulos, com curvaturas que permitem maior privacidade do passageiro e também mais conforto (como compartimentos para acomodar livros, computadores, cadernos). 
Mas, nas que persistem no formato “busão-leito aéreo” (caso da Latam, a que mais frequento), o passageiro, mesmo na executiva, tem que empilhar tudo o que está usando no colo.
Os que preferem ficar quietos e isolados têm a ganhar com a conformação mais moderna das executivas. 
Porém, é bom saber que, em qualquer classe, usando qualquer estratagema que seja para ficarmos apartados do mundo, podemos estar perdendo oportunidades. Pode haver surpresas.
Paulo Francis, por exemplo, ganhou uma pauta olhando em volta no avião.
Escreveu longa crônica sobre quando viajou com Mick Jagger na mesma fileira. (Mick não lhe deu bola, é verdade, o que teria rendido bem mais assunto. Mas, ainda assim, Francis observou o que ele lia e fazia, e teve assunto para mais um artigo, assim como eu estou ganhando umas linhas falando dele.)
Gabriel García Márquez escreveu (provavelmente era ficção) sobre uma linda mulher que observou na sala de espera (num período longo, com o voo atrasado pela chuva) e que, em seguida, sentou-se ao lado dele no avião. 
Não deu em nada, ela se fechou como num cockpit antiterrorismo e, ao final, foi-se na velocidade de um Concorde. Mas valeu um belo devaneio.
Existem casos, porém, com desfechos ainda mais positivos, como constatou uma pesquisa do banco HSBC com passageiros americanos de voos internacionais. 
Dentre os mil entrevistados (dos quais, 47% declararam ter conversado com o passageiro ao lado), 13% estabeleceram conexões fortes de trabalho dentro do avião. Dinheiro à vista.
Mas não é só: 12% começaram amizades duradouras dentro de um avião. Mais do que isso: 10% começaram namoros nas alturas —6% encontraram alguém por quem se atraíram e com quem mantiveram um namoro por um tempo e 4% simplesmente encontraram “o amor da sua vida” a bordo. O amor está no ar!
Caramba. Com tantas viagens, quantos casamentos e negócios terei perdido —ou, quem sabe, evitado— com essa mania estúpida de me dar bem comigo mesmo?

Texto de Josimar Melo, na Folha de São Paulo

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