quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Aos poucos e discretamente, acabou sonho palestino de Estado próprio

Passo a passo, sem que explodam manchetes a respeito, acabou o sonho palestino de ter Estado próprio.
O mais recente prego no caixão dessa já remota esperança veio na terça (16), quando Donald Trump anunciou que cortou pela metade a verba à agência da ONU que cuida dos refugiados palestinos.
Cria "a mais severa crise de financiamento na história da agência", segundo o porta-voz da organização, Chris Gunness.
Ela cuida de cerca de 5 milhões de refugiados palestinos, atendendo saúde, educação e alimentação. Logo, "cortar verba para comida e educação para refugiados vulneráveis não proporciona um duradouro e abrangente processo de paz", comentou o governo palestino.
Antes do corte, outro prego importante já havia sido martelado no caixão do diálogo: no fim do ano, o Comitê Central do Likud, principal partido governista de Israel, votara para estender a jurisdição de Israel aos assentamentos na Cisjordânia.
"É um prelúdio para a anexação", analisou Steven Cook, especialista em Oriente Médio e África do Council on Foreign Relations.
De fato, se a Cisjordânia é um território que a comunidade internacional reservou para os palestinos, como parte de seu futuro Estado, não faz sentido que valha para ela a legislação israelense. A menos que Israel pretenda anexá-la.
A análise de Cook coincide com informações que os palestinos repassam a jornalistas, depois de recebê-las de interlocutores egípcios e sauditas: o plano de paz que Trump diz repetidamente que está preparando incluiria criar cantões desconectados na Cisjordânia, com um governo supramunicipal e atribuir a Abu Dis, nos confins de Jerusalém, o caráter de capital palestina.
Esse pedaço de território poderia, ainda por cima, "ser vinculado a uma Jordânia vulnerável e que não o quer", na versão de David Gardner no jornal britânico "Financial Times" desta quarta-feira (17).
Morreria, pois, o sonho palestino de um Estado próprio que, porém, tem o respaldo da legalidade internacional: em 1948, a ONU determinou a criação de dois Estados na área, Israel e o que seria a Palestina.
É verdade que os países árabes não aceitaram Israel, foram à guerra e perderam. Esse fato não muda a determinação da ONU, seguidamente reafirmada, de dois Estados.
O problema é que nenhum país tem força suficiente para impor a Israel a solução internacionalmente reconhecida. Os EUA desde sempre —e mais ainda com Trump— sempre respaldaram Israel, ao passo que os palestinos recebem apoio apenas retórico do mundo árabe e do Ocidente em geral.
Depois que Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina, resolveu decretar que os EUA estão fora do jogo no processo de paz, que, aliás, é um cadáver insepulto.
Vale, pois, o comentário para o "Guardian" de Ian Black (Centro do Oriente Médio da London School of Economics): "A solução dos dois Estados para o conflito com Israel tem tido um longo desfalecimento. Mas o discurso de Abbas poderá ser visto algum dia como o seu epitáfio".


Texto de Clovis Rossi, na Folha de São Paulo

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