segunda-feira, 10 de abril de 2017

Na periferia de São Paulo ninguém sonha em morar na Venezuela

Vale parafrasear a velha pichação evangélica: só os dados tiram o demônio das pessoas. A Fundação Perseu Abramo, "think-tank" ligado ao Partido dos Trabalhadores, publicou uma pesquisa sobre "Percepções da Periferia" em que entrevistou 63 pessoas em São Paulo, selecionadas por terem votado no PT durante o ciclo lulista e abandonado o partido nas eleições do ano passado.
Os resultados da pesquisa, amplamente divulgados na imprensa, mostraram um morador de periferia que valoriza o empreendedorismo e a iniciativa pessoal, que apoia programas sociais, mas espera, sobretudo, que políticas públicas lhes abram possibilidades que eles mesmo explorem como acharem melhor.
É especialmente interessante que os pesquisadores tenham encontrado, entre os programas sociais petistas elogiados pelos entrevistados, destaque para o Prouni e o Fies, que possibilitam o acesso de jovens pobres à universidade. Sim, as universidades que os pobres frequentam raramente lhes darão a chance de competir com quem estudou na USP. Mas só menospreza uma chance de vitória de 10% quem nunca teve chance zero.
Os resultados também confirmam a intuição de André Singer em sua análise do lulismo: os mais pobres são aversos a radicalismos porque a desordem é especialmente perigosa para quem está a poucos passos do desastre. Propostas ousadas (mesmo as boas) implicam risco de perdas, e os pobres têm pouca margem para perder sem perder tudo.
Enfim, a pesquisa da Perseu Abramo é, sim, uma surra de pá em quem defende uma virada radical à esquerda no PT. Ninguém na periferia de São Paulo quer morar na Venezuela. Se for por conservadorismo que os pobres não bebem o suficiente para apoiar o governo Maduro, palmas para o conservadorismo. Talvez a direção do PT devesse começar a frequentar cultos evangélicos.
Mas também seria errado interpretar os resultados da pesquisa da FPA como um endosso à desregulamentação liberal. Quem assiste programas evangélicos já viu gente agradecendo a bênção de um processo ganho na Justiça. Estou disposto a apostar que foi trabalhista.
Com esses mesmos valores, os entrevistados pela FPA votaram no PT durante todos esses anos. O que fica claro é que votaram porque os programas do PT lhes ajudaram a se inserir na economia de mercado com mais poder de barganha, com mais possibilidades de sucesso, com uma rede de segurança que lhes facilita a administração de riscos. E, sobretudo, porque lhes permitiu sonhar que seus filhos tenham ao menos alguma chance de brigar por prêmios maiores.
O Partido dos Trabalhadores, que, por incrível que pareça à luz de seus documentos recentes, era governo quando esses programas bons foram implementados, precisa beber um café forte, tomar um banho frio e retomar essa agenda.
E os adversários do PT precisam esclarecer, finalmente, o que têm para oferecer que aumente o poder de barganha, as possibilidades de sucesso e a rede de segurança dos brasileiros de baixa renda. A terceirização sem limite recém-aprovada, por exemplo, vai exatamente na direção oposta. Vamos esperar que as reformas em curso não destruam a reputação do mercado junto aos pobres, construída depois de tantos anos do que Amartya Sen chamaria de redistribuição de liberdades.


Texto de Celso Rocha de Barros, na Folha de São Paulo

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