quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Infernos artificiais

Já que a crise penitenciária reacendeu o debate sobre a questão das drogas, reitero algumas observações que me parecem até meio óbvias, mas que são frequentemente esquecidas.
A primeira é que drogas, inclusive a maconha, fazem mal. Numa pequena minoria de pacientes, que ainda não somos capazes de identificar "a priori", elas têm efeitos verdadeiramente devastadores. É claro que isso não é motivo suficiente para proscrevê-las. Não cabe ao Estado determinar o que cada indivíduo pode fazer com seu próprio corpo e, igualmente importante, faz mais ou menos cem anos que o mundo abraçou o paradigma proibicionista e, a julgar pelos resultados, essa política já pode ser considerada um fracasso.
O planeta investe bilhões de dólares anuais na repressão ao tráfico, mas a prevalência global do uso de substâncias ilícitas segue mais ou menos o mesmo há quase uma década, assim como o número de usuários patológicos. O efeito mais notável de um aumento localizado da repressão é a elevação do preço da droga, o que equipara essa tarefa à pouco prática atividade de enxugar gelo.
Para mudar o "statu quo", então, não basta descriminalizar o uso. Seria preciso dar um passo mais ambicioso e legalizar efetivamente o consumo e o comércio de todos os entorpecentes. E mesmo assim não se devem esperar resultados imediatos.
É improvável que os traficantes troquem seu fuzil AK-47 por uma gravata e se tornem respeitáveis empresários. Com a legalização, eles tenderiam a migrar para outras transgressões, como assaltos e sequestros. Num primeiro momento, portanto, a violência poderia aumentar.
No médio prazo, porém, o jogo mudaria. O tráfico é a única atividade delinquencial em que a "vítima" chega a fazer fila para "sofrer o crime". Privadas do lucro fácil da venda de drogas, as quadrilhas veriam seu poder declinar. Foi o que aconteceu com os gângsteres dos EUA após a revogação da Lei Seca.


Texto de Helio Schwartsman, na Folha de São Paulo

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