quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Epidemia de violência na América Central causa crise humanitária

A América Latina vive crise humanitária para muitos invisível. É mais fácil o brasileiro médio saber que há refugiados deixando a Síria do que ouvir falar de milhares de pessoas, neste mesmo continente, que vêm abandonando seus países todos os dias.
Diz-se dos que tentam atravessar de modo ilícito a fronteira do México com os EUA que são "imigrantes ilegais". Correto tecnicamente, o termo só maquia uma realidade brutal.
O Triângulo do Norte (El Salvador, Honduras e Guatemala) vive umaepidemia de violência que pôs a região no primeiro lugar entre as mais homicidas do Ocidente.
Só El Salvador (população: 6,5 milhões) fechou 2016 com uma taxa de 81,2 mortos por 100 mil habitantes. Os outros dois países o seguem de perto. Cerca de 10% da população já abandonou a região.
Citando o jornalista Jon Lee Anderson, "essas pessoas estão fugindo, e não imigrando". Anderson cobriu a guerra civil em El Salvador (1979-1992), que deixou 70 mil mortos. A atual crise já supera a cifra daqueles mais de 12 anos de conflito.
Pendurados em trens de carga, vulneráveis ao sequestro pelos cartéis, entregando os filhos a "coiotes" —enquanto as mulheres tomam anticoncepcionais antes de partir porque serão estupradas no caminho—, os centro-americanos seguem correndo para o Norte.
Em 2016, segundo o governo dos EUA, os imigrantes ilegais do Triângulo do Norte já ultrapassaram os que vêm de outras origens.
Quão terrível é a realidade que deixam atrás? Ainda mais quando Donald Trump promete deportar milhões de indocumentados?
A história talvez pudesse oferecer uma lição ao presidente eleito dos EUA. Afinal, a atual epidemia de violência centro-americana começou na Califórnia. Ali, no universo das gangues de Los Angeles, os filhos dos que fugiram das guerras civis da América Central dos anos 80 formaram dois bandos: Mara Salvatrucha e Barrio 18.
Nos anos 90, os EUA realizaram uma ampla deportação de indocumentados, e esses criminosos aterrissaram em países cujas economias mal se recuperavam dos tempos de conflito, ou seja, que não lhe deram oportunidades.
Hoje, a Mara Salvatrucha e a Barrio 18 são facções criminosas com cerca de 100 mil integrantes. Atuam na extorsão de comerciantes, fazendeiros e transportadoras. A sangrenta disputa de ambas por território destrói as vidas dos civis que estão no meio. O êxodo dos centro-americanos é uma fuga desesperada dessa violência.
Se Trump apostar novamente num projeto de deportação em grande escala, estará apenas cometendo o mesmo erro que os EUA já perpetraram no passado, e realimentando as máfias do Triângulo do Norte. Mais gente, então, buscará fugir, dando continuidade a esse ciclo sangrento.


Reportagem de Sylvia Colombo, para a Folha de São Paulo

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