domingo, 3 de março de 2013

"Sonho alemão" vira maior expressão do "pesadelo europeu"


Eles são belos, jovens e brilhantes. São os novos imigrantes na Alemanha. "Die neuen Gastarbeiter" é a manchete de primeira página do jornal "Der Spiegel". Esses "novos trabalhadores convidados" não são mais os camponeses turcos da Anatólia dos anos 1960, que vieram para tocar a indústria automobilística da Alemanha Ocidental. São italianos, espanhóis, gregos ou europeus do Leste. Formados nas melhores universidades de seus países, eles compõem "a jovem elite da Europa para a economia alemã". Nesta semana, o semanário alemão exibiu uma insolência digna de seu colega britânico "The Economist", que zomba do mundo da mesma forma que a Alemanha provoca a Europa.
A "Deutschland AG" se recusa a transferir suas fábricas para outros países, mesmo podendo perder a briga industrial. Seu neoprotecionismo a levou a barrar a fusão entre a Airbus e a British Aerospace para proteger suas fábricas na Baviera. E eis quem está roubando os talentos latinos, que chegam em peso para fugir de um desemprego endêmico. O "sonho alemão" celebrado sem pudor pelo "Der Spiegel" é o pesadelo da Europa.
Nesse contexto, por que a histeria diante dos resultados das eleições italianas no dia 25 de fevereiro? Depois dos tecnocratas às ordens de Angela Merkel, os populistas; depois de "il Professore" Mario Monti, os tristes palhaços Silvio Berlusconi e Beppe Grillo. A escolha dos italianos foi um amargo "não" para as receitas europeias, uma rejeição à poção de Merkel-Monti.
A cobertura do "Der Spiegel" confirma: esse caso lembra areia movediça. Assim é acentuada a crise de legitimidade política em uma Europa prisioneira do euro. O Velho Continente é incapaz de renovar a competitividade através de uma desvalorização da moeda. Qualquer conversa sobre a paridade do euro em relação ao dólar ou ao yuan é proibida pela Alemanha. O ajuste é feito sobre o emprego e provoca um desemprego em massa, no Sul da Europa mas também na França, onde ele voltou a seus níveis de 1997. Inexoravelmente, os talentos estão indo embora.
É o fracasso da Europa. O fracasso do euro. Era necessário assinar esse tratado de Maastricht (1992), que está se encaminhando para um desastre? Depois de tanto defendê-lo, afinal estamos duvidando dele. Curiosamente, o assunto continua sendo tabu. Nos anos 1990, vendiam a moeda única como se ela fosse permitir o combate às supostas desvalorizações competitivas dos países do Sul. Um total contrassenso: foi a leitura inversa que prevaleceu. As desvalorizações eram somente lufadas de oxigênio para compensar posteriormente o rolo compressor da indústria alemã. Provavelmente deveriam ter ouvido na época os alertas precoces de Gerhard Schröder.
"O que acontecerá quando a ferramenta da desvalorização não estiver mais disponível na Espanha e na Europa, e quando a economia alemã se impuser em toda parte graças a seus enormes ganhos de produtividade com a moeda única?" perguntava já em 1997 o candidato socialdemocrata à chancelaria. Mas o "camarada dos patrões" e membro do conselho de supervisão da Volkswagen na época era visto como um horrível neo-bismarckiano perto do grande europeu Helmut Kohl, que soube fazer a Alemanha sem desfazer a Europa. Gerhard Schröder não era ouvido. Na verdade, seu desprezo pelo Sul da Europa, incapaz de resistir ao euro, segundo ele, provavelmente teria protegido mais os latinos do que a vontade de inclusão francesa, aparentemente generosa mas que em retrospecto se revelou devastadora.
O euro era um projeto político, repetiam os franceses. Política, essa palavra mágica deveria apagar qualquer restrição. A economia se vingou, e o Sul da Europa ameaça se afundar na crise política e social.
Como maus perdedores, nós reclamamos que os eleitores franceses e holandeses não haviam entendido nada ao votarem "não" para a Constituição Europeia de 2005. Hoje, a ameaça é ainda maior. Mas criticar os italianos pela forma como votaram também parece tão patético quanto o rei da Pérsia, Xerxes, que mandou chicotear o mar por ter destroçado uma ponte sobre o Helesponto. Eles são o segundo povo a se rebelarem depois dos gregos e não serão os últimos. Quem poderia prever o resultado das próximas eleições na França, entre uma direita parlamentar em ruínas e uma esquerda com a cara de Mélenchon?
O alerta dos gregos foi sério; eles, que quase se radicalizaram na primavera de 2012. As eleições de maio consagraram o surgimento dos neonazistas da Aurora Dourada, enquanto o Pasok (Partido Socialista grego) era aniquilado pela esquerda populista do Syriza. Somente novas eleições, organizadas um mês depois, sob ameaça de serem expulsos da zona do euro, permitiram formar uma espécie de grande coalizão preservada dos extremos.
O resultado da crise italiana ainda não está claro. De qualquer forma, ela acusa o fim da era dos governos técnicos, aberta no G20 de Cannes, em novembro de 2011. A crise do euro estava então em seu ápice, os investidores apostavam no fim da moeda única. Angela Merkel e Nicolas Sarkozy precipitaram a queda do primeiro-ministro grego Georges Papandreou, culpado de ter tentado organizar um referendo sobre o plano de resgate elaborado em Bruxelas alguns dias antes, bem como a de Silvio Berlusconi.
Eles foram substituídos por Lukas Papademos (novembro de 2011-maio de 2012), ex-vice-presidente do Banco Central Europeu, e Mario Monti, "o mais alemão dos economistas italianos". Um sonho para Bruxelas! Esses governos tecnocráticos, efêmeros por definição, deveriam atenuar a demissão dos políticos, incapazes de tomar as decisões consideradas necessárias. "Os governos tecnocráticos são a forma liberal da crise democrática, no sentido em que os tecnocratas continuam sendo amigos da liberdade", comenta o especialista em populismo, Dominique Reynié.
Eles caem uma vez cumpridas suas missões – os primeiros-ministros tecnocratas Lamberto Dini e Romano Prodi tinham como plano de ação a qualificação da Itália para a moeda única. Mas Mario Monti não conseguiu tirar o país da enrascada do euro, nem ganhar renome na política ao entrar na disputa. As eleições deveriam marcar uma volta à normalidade. Mas, pelo contrário, elas abriram caminho para o desconhecido. É mais um fracasso, tanto da Itália quanto da Europa.

Reportagem de Arnaud Leparmentier, para o Le Monde, reproduzido no UOL. Tradução de Lana Lim.

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