quinta-feira, 28 de março de 2013

ENCONTRO COM ÁLVARO LINS


Caruaru, Pernambuco, 18 de fevereiro de 2013. Depois de pegar chuva na estrada, cortada por caminhões que estão lotados de cana-de-açúcar destinada a alimentar o gado massacrado pela seca do sertão logo ali adiante, vejo uma Caruaru ensolarada. É a principal cidade do interior pernambucano: parece-se com uma cidade semigrande do interior gaúcho, Caxias do Sul, onde nasci, por exemplo. Em Caruaru nasceu um dos meus “bruxos literários”, o ensaísta Álvaro Lins. Quase todos os nossos bruxos se formam entre a infância e a adolescência, períodos que no meu caso se confundiram muito cedo, do ponto de vista intelectual pelo menos. É claro que ao longo da vida criamos esparsamente outros bruxos, mas a legião está mesmo na infância-adolescência. No verão de 1973 eu chegava à capital e, optando por meter-me em bibliotecas e não em lupanares, acabei devorando as anotações críticas de Os mortos de sobrecasaca (1963), coletânea da produção literária de Álvaro ao longo de décadas. Eu tinha 17 anos e, ao ler aquilo, era como se estivesse conversando com um irmão de sina. Álvaro tinha morrido três anos antes, e eu não tinha a menor ideia. Acabei desviando para o cérebro, para ler Álvaro, alguns litros de esperma que eu haveria de despejar em corpos de prostitutas.
Caruaru, Pernambuco, 18 de fevereiro de 2013. Luís Gonzaga e Mestre Vitalino é o que me oferecem os informantes turísticos (inclusive o taxista que me acompanha de Porto de Galinhas à capital do agreste), além da famigerada Feira de Caruaru. Álvaro Lins? Álvaro Lins? “Quem é este caboclo?” me questionam quando indago do homem que procuro. Alguém no Museu Luís Gonzaga lembra que haveria um museu dedicado a Álvaro, a que chamam “Fardão”: é Álvaro com a farda da Academia Brasileira de Letras, o que me inquieta e incomoda, pois não é a este Álvaro mofado que busco, mas sim um Álvaro vivo, criativo, tão vivo em 1973 quanto numa releitura recente de A técnica do romance em Marcel Proust (1951). O Museu do Fardão teria sido desativado e tudo teria ido parar numa biblioteca da prefeitura. Na Feira de Caruaru buscamos um tal de Museu do Cordel; de maneira inesperada e jocosa, eu e o taxista damos com uma barraca de feira, cheia de livrinhos de cordel; ora, nordestinos, que museu é esse, uma barraquinha? Em todo o caso ali perguntamos por Álvaro. Da estante irrompe um poemeto de cordel dedicado a Álvaro Lins: “Muito prazer, Álvaro Lins”, de Jémerson Alves. Compro. Mas, advirto meu taxista, não é isto que me contenta. Saímos à outra caça. Biblioteca Municipal Álvaro Lins. Numa repartição da Biblioteca, a despeito da desinformação dos bibliotecários, os achados: a história de Álvaro, os livros que ele manuseou (os volumes de Proust em francês), os livros que ele escreveu (o que mais dor de cabeça lhe deu em Recife, ao escrever sobre o português Eça de Queiroz) e um livro escrito pelo crítico português João Gaspar Simões autografado na vila lusitana de Cascais. Se os “verdes mares bravios” (lembrando: o romancista cearense José de Alencar foi um dos meus bruxos aos 15 anos de idade, mas há muito tempo não aguento sua linguagem empolada, no entanto é inegável que sua expressão para os mares nordestinos, apesar de soar a seus excessos metafóricos, é real, pode comprovar quem anda por lá) convidam a um exercício da preguiça mental, aquele lado da biblioteca empurra para a  ativação dos neurônios. Eu estava em casa, finalmente, embora minha mulher achasse que estávamos muito longe de casa.
No entanto, Álvaro faltou ao encontro. Ou eu cheguei muito atrasado. Nem em sua cidade natal o escritor é lembrado. Via aqueles jovens azafamados correndo de cá para lá, e me perguntava da indiferença das pessoas ao pisar os mesmos cenários de um cérebro como o de Álvaro Lins. Nuns casebres à beira do rio Ipojuca vi um garotinho travesso correr em busca de arte —arte de arteiro. Pensei no garotinho Álvaro fazendo o mesmo no início do século XX, banhando-se nas águas sujas deste rio nordestino. E, anos depois, ele escreveria ombro a ombro sobre Proust e André Gide, dois aristocratas parisienses que tinham à sua disposição as águas nobres do Sena. Fascina pensar nesta aproximação.

Texto de Eron Duarte Fagundes, visto no Blog do Juremir Machado da Silva.

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