quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Incêndio expõe produção insalubre (em Bangladesh)


Incêndio expõe produção insalubre

Por JIM YARDLEY
ASHULIA, BANGLADESH

O alarme de incêndio rompeu a monotonia da fábrica Tazreen Fashions. Centenas de costureiras ergueram os olhos de suas máquinas, assustadas. No terceiro andar, Shima Akhter Pakhi estava pregando capuzes em blusões de moletom. Ela correu para uma escada.
Mas dois gerentes bloqueavam o caminho. "Ignorem o alarme", ordenaram. "É apenas um teste. De volta ao trabalho."
Algumas mulheres riram nervosamente. Pakhi e outras trabalhadoras voltaram para suas mesas de costura. Ela consegue costurar um capuz em um blusão em cerca de 90 segundos. Costurou seis peças, talvez sete.
Então prestou atenção.
Fumaça e gritos vinham de baixo. Os dois gerentes tinham desaparecido. A eletricidade foi desligada em todo o edifício de oito andares. Não havia por onde escapar. As escadas levavam até o fogo. Grades de ferro bloqueavam as janelas. Um homem telefonou para sua mãe para lhe dizer que ia morrer.
"Todos entramos em pânico", disse Pakhi. "Aquilo se espalhou tão depressa. Não havia eletricidade. Estava totalmente escuro."
A Tazreen Fashions Limited operava no início da cadeia de suprimento global que entrega roupas feitas em Bangladesh para lojas na Europa e nos Estados Unidos. Por todos os critérios, a fábrica não era um lugar seguro para trabalhar. O prédio estava em construção e montes de tecidos e linhas eram guardados ilegalmente no andar térreo, perto de geradores elétricos.
Mas a Tazreen estava fazendo roupas destinadas a algumas das maiores redes varejistas do mundo, como a Walmart, a Sears e a C&A.
Ao todo, 112 trabalhadores morreram no incêndio em novembro.
A tragédia expôs uma terrível desconexão entre as marcas de roupas globais, o sistema de monitoramento usado para proteger os trabalhadores e as fábricas que produzem as encomendas.
Depois do incêndio, a Walmart, a Sears e outras lojas fizeram a mesma declaração surpreendente: não sabiam que a Tazreen Fashions fabricava suas roupas.



Incêndio mostra lado obscuro do consumo

Mas então quem, afinal, é o responsável quando as coisas dão errado? A indústria global de confecções aspira a uma responsabilidade que vai das fábricas distantes ao comércio, e a Tazreen Fashions era uma das muitas confecções à margem desse sistema.
Os donos da fábrica tinham sido multados por violações durante inspeções realizadas a pedido da Walmart e da Iniciativa de Conformidade Social das Empresas, uma organização europeia.
Mas a Tazreen Fashions recebia encomendas de qualquer modo, esgueirando-se pelas brechas do sistema ao oferecer custos baixos e entregas rápidas, como os compradores -e os consumidores- exigem.
Grande parte dos negócios da fábrica vinha através das redes opacas de subcontratações com fornecedores ou compradores locais. Ativistas trabalhistas, verificando o local do desastre, encontraram etiquetas, encomendas, desenhos e artigos de roupas de muitas marcas globais.
A Walmart disse que tinha deixado de autorizar a produção na Tazreen e que um único fornecedor, mais tarde identificado como Success Apparel, havia subcontratado a fábrica sem autorização. Documentos mostram que um subcontratante para outro fornecedor da Walmart, a International Intimates, mandava fazer roupões e camisolas na Tazreen para a Walmart e a Sears.
Alguns críticos questionaram como uma empresa como a Walmart, uma das maiores compradoras em Bangladesh e conhecida por seu sofisticado sistema de fornecimento global, poderia não estar informada sobre as conexões.
O dono da fábrica, Delowar Hossain, disse que seus gerentes arranjavam o trabalho através de intermediários locais. "Não conhecemos os compradores", disse. "O homem local é importante. O comprador não me importa."
Bangladesh é o segundo maior exportador mundial de confecções, atrás da China. Bangladesh tem os menores salários de confecções do mundo, e muitas vítimas na fábrica da Tazreen eram jovens da zona rural que ganhavam apenas US$ 45 por mês em uma indústria que hoje alcança US$ 19 bilhões em exportações.
Em Bangladesh houve grande indignação pública com o incêndio. Cerca de 100 mil pessoas teriam participado do funeral de 53 trabalhadores cujos corpos não puderam ser identificados. Líderes da indústria prometeram apoio financeiro aos sobreviventes e às famílias dos mortos. O governo local começou a inspecionar as 4.500 fábricas de roupas do país. Já encontrou violações dos códigos anti-incêndio em quase um terço das que examinou.
Em Bangladesh os incêndios em fábricas são um problema persistente, e o Fórum Internacional de Direitos Trabalhistas diz que mais de 600 trabalhadores de confecções morreram em incêndios desde 2005.
Ao reconstruir o último incêndio mortal, o "New York Times" entrevistou mais de duas dúzias de sobreviventes, parentes das vítimas, autoridades de Bangladesh, donos e gerentes de fábricas de confecções, auditores e outros.
"Nós como consumidores gostamos de poder comprar quantidades cada vez maiores de produtos cada vez mais baratos, todo ano", disse Richard M. Locke, vice-reitor da Escola Sloan de Economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. "Alguém está pagando o custo disso, e não queremos saber quem é. As pessoas que arcam com o custo estavam nesse incêndio."
Investigadores de incêndio dizem que, se as linhas e tecidos que pegaram fogo estivessem guardados em uma sala fechada, à prova de fogo, como exige a lei, o incêndio poderia ter sido contido. Em vez disso, o fogo se espalhou rapidamente, subindo pelas escadas com a fumaça tóxica de acrílico queimado. Os investigadores descobriram que poucos extintores de incêndio foram usados. E, finalmente, os gerentes cometeram um erro catastrófico.
"Eles perderam tempo", disse Abu Nayeem Mohammad Shahidullah, diretor geral do serviço nacional de bombeiros. "O tempo era tão precioso, tão importante. Mas eles disseram que era um alarme falso."
No sexto andar, Hashinur Rahman ouviu os gritos e correu para uma escada. Ele e outros mal haviam saído do prédio quando seu celular tocou. Era um amigo no terceiro andar. Centenas de pessoas estavam presas. "Salvem-nos!", gritou o amigo.
Rahman disse que subiu até uma janela do terceiro andar e quebrou a grade de ferro. Ele e outros ajudaram muitas pessoas a sair, incluindo Pakhi.
Enquanto a notícia do incêndio se espalhava, pessoas corriam para a fábrica: mães, pais, maridos, esposas e curiosos. Golapi Begum correu, esperando encontrar seu filho, Palash Mian, 18, que trabalhava no quinto andar. Begum olhou para a fábrica e gritou. Então seu celular tocou. "Mãe, não tenho como salvar minha vida", disse seu filho ao telefone. "Fiquei louca. Passei a noite inteira diante do portão principal da fábrica. Gritava o tempo todo."
Ela o encontrou no dia seguinte, quando os socorristas alinharam os cadáveres resgatados. Ela apanhou o corpo e voltou para a sua aldeia, onde ele foi enterrado.
Colaborou Julfikar Ali Manik, em Ashulia, e Steven Greenhouse, em Nova York


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