terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Um reality show feminista na Malásia

Um reality show feminista na Malásia

Por LIZ GOOCH

KUALA LUMPUR - Conheça a última novidade em reality-show, no estilo malásio: dez jovens candidatas entram confiantemente no cenário, prontas para enfrentar uma plateia de estúdio e telespectadores em todo o país. Mas esta não é uma prova de aventuras radicais ou um concurso de canto e dança. Essas mulheres com longas saias pretas, os cabelos cobertos por lenços de cores vivas, estão competindo para demonstrar um conhecimento superior do islamismo e sua capacidade de ensiná-lo aos outros.
Enquanto a liderança religiosa oficial neste país muçulmano foi tradicionalmente masculina, as mulheres malásias estão conquistando novos papéis, como o de pregadora. A televisão adotou o tema e lançou concursos de pregação rivais: "Solehah" ("mulher religiosa", em árabe) e "Ustazah Pilihan" ("pregadora ideal" em malásio).
"Precisamos de pregadoras mulheres, e não de homens", disse Siti Adibah Zulkepli, 21, depois de sua participação no "Solehah". "Porque eles não enfrentam o que nós enfrentamos -problemas de saúde, administrar a casa, como cuidar dos filhos. A mulher sabe melhor."
Na Malásia, onde as mulheres estão em ascensão na economia, na política e na educação, os novos programas chamaram a atenção para o papel das mulheres na liderança religiosa.
Durante muito tempo o país foi considerado moderado em sua abordagem do islamismo, mas correntes mais conservadoras se enraizaram nos últimos anos. Ainda assim, as mulheres malásias muçulmanas desfrutam de maior liberdade que muitas no Oriente Médio. Na Malásia não há segregação de gêneros; as mulheres detêm cargos no mundo empresarial, e as universitárias superam os estudantes homens.
"Há mais mulheres que homens fazendo estudos islâmicos nas universidades", disse Zaleha Kamaruddin, uma estudiosa do islã que em agosto se tornou a primeira mulher reitora da Universidade Islâmica Internacional em Kuala Lumpur.
Zaleha disse que a reação a sua indicação até agora foi positiva, com vários convites para palestras vindos de um lugar surpreendente: a conservadora Arábia Saudita.
"Eu acho que a Malásia começou a romper o teto de vidro e está tentando ser um dos países muçulmanos modernos", ela disse.
Se as mulheres estão assumindo um papel mais proeminente na educação islâmica na Malásia, como fizeram no Marrocos e na Turquia, ainda são proibidas de conduzir os homens ou congregações mistas na oração.
Mas as participantes dos programas de televisão certamente estão burilando a imagem de pregadora das mulheres. As candidatas de "Solehah" estudam islamismo e são treinadas em oratória e apresentação pessoal. Durante um episódio recente, as mulheres produziram vídeos sobre alunos que abandonam o colégio e ataques com ácido, e depois foram solicitadas a comentar como essas questões poderiam ser abordadas usando referências islâmicas.
"Ustazah Pilihan" se concentra mais em uma busca por modelos femininos muçulmanos. O material publicitário do programa salienta a "importância de assumir a responsabilidade como muçulmana, não apenas como uma esposa ou mãe, mas também como educadora, que pode moldar e nutrir potenciais líderes".
Greg Barton, diretor em exercício do Centro para Islamismo e o Mundo Moderno na Universidade Monash em Melbourne (Austrália), disse que seria um engano desprezar a importância do crescente compromisso das mulheres malásias na educação islâmica. Está se tornando mais comum, por exemplo, que as mulheres façam discursos devocionais para grupos mistos durante reuniões sociais, ele disse.
Na vizinha Indonésia, o país mais populoso do mundo onde predomina o islamismo, as mulheres têm sido muito ativas em grandes grupos islâmicos com milhões de membros,.
"Eu não pensaria em procurar feministas nesse círculos", disse Barton. "Mas eu sugeriria que muitas preocupações feministas importantes estão sendo abordadas por essas mulheres", ele acrescentou, citando a questão do controle natal e campanhas contra a poligamia.
As mulheres da Indonésia e da Turquia têm-se envolvido em debates públicos sobre o islamismo há décadas, ele disse.
Ele também previu que o aumento da educação nos países árabes mais conservadores também reforçará a influência das mulheres lá. "Espero ver muitas mudanças no mundo árabe na próxima década, incluindo na Arábia Saudita e no Iêmen", disse Barton.

Texto do The New Tork Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 28 de novembro de 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário