terça-feira, 9 de agosto de 2011

Israel está oficialmente abrindo mão da democracia?


É difícil de acreditar que alguém confiaria nos informes que noticiam os termos para negociar um acordo com os palestinos do supostamente moderado primeiro ministro de Israel, Binyamin Netanyahu. Mas, incrivelmente, algumas pessoas na verdade levam-no a sério. Bastante corretamente, os palestinos não o fazem.

Eis a descrição no Jerusalem Post dos novos “termos” de Netanyahu:

Os representantes israelenses dizem que esses termos seriam um pacote de negociações segundo o qual Israel concordaria em começar as negociações a respeito das fronteiras de 1967, concordando mutuamente em negociar a seu respeito, como base para conversações, e os palestinos concordariam que o objetivo final das negociações seriam dois estados, um palestino e outro judeu.

O [Jerusalém] Post considerou esses termos uma concessão, porque os palestinos iriam “ter algo que há muito querem”: eles “iriam ter as linhas de 1967 como base” para negociações.

O que? As linhas de 1967 sempre foram o ponto de partida para negociações, desde a Resolução 242, de novembro de 1967, do Conselho de Segurança da ONU. O que mais poderia ser?

Obviamente que Israel não negociaria com base nas linhas de 1948. Na verdade, o governo de Israel nunca questionou que as fronteiras de 1967 seriam a base para negociações até Netanyahu chegar a Washington em maio e dizer que rejeitava esse compromisso. Depois da guerra de 1967, o primeiro ministro Levy Eshkol fez a famosa afirmação de que Israel estava em posição de “negociar a paz com os árabes” porque agora tinha território para abrir mão. E todo primeiro ministro desde então concordou. Exceto Netanyahu.

Mas Netanyahu agora diz que está bem usar as fronteiras de 1967, e os bobalhões dizem “Viva, uma concessão!”. De jeito nenhum. Netanyahu simplesmente se moveu na direção das metas que estão aí há 44 anos. Grande coisa.

Em todo caso, tudo o que ele fez foi concordar em negociar com base num mapa das fronteiras de 1967 a sua frente. Ele não disse que abriria mão de qualquer território durante essas negociações. E tem rejeitado consistentemente o congelamento dos assentamentos, para não falar [na rejeição] da retirada de quaisquer dos assentamentos [em territórios para além das linhas de 67]. Na verdade, ele acabou de autorizar novas 900 unidades de assentamentos. Obviamente que não pode haver acordo com os assentamentos e com os desvios nas rodovias e os checkpoints que retalham a Palestina numa salada israelense. 

Netanyahu não tem interesse em negociações. O que ele quer é evitar que os palestinos tenham aspirações ao estabelecimento de um estado, na ONU, neste outono. Ele pensa que os palestinos são tão estúpidos que irão aceitar uma oferta vazia sua, em vez de tentarem algo novo, algo que – quer venha a ser bem sucedido, quer não - mudará fundamentalmente o terreno político de uma maneira que não será bem vinda a Netanyahu.

Mais evidência da nova postura completamente fraudulenta de Netanyahu é a informação de que o Knesset [parlamento israelense] está analisando um projeto de lei – apoiado por 40 deputados do Kadima, Likud e Yisrael Beiteinu – que iria, de acordo com o Haaretz, “tornar as regras democráticas subservientes à definição do estado como o ‘lar nacional do povo judeu’”.

O autor do projeto de lei diz que ela visa a fornecer respaldo legal para as cortes judiciárias do país que apoiam “o estado como estado da nação judaica subsumindo o seu caráter democrático, caso o estatuto de estado judaico colida com esse caráter”.

É provável que o projeto seja aprovado – 20 de 28 membros do “moderado” partido Kadima se juntou ao Likud no apoio ao projeto –, o que significaria que Israel estará fazendo a escolha há muito prevista entre ser democrático ou ser judeu –, uma escolha desnecessária caso Israel tivesse aberto mão dos territórios além da fronteira de 1967.

Parece que membros do Knesset estão preparados para deixar de lado a democracia, dando a Israel a liberdade de abraçar todos os territórios, enquanto continua a denegar direitos democráticos aos milhões de palestinos destituídos de cidadania que lá vivem.

A legislação, caso seja aprovada, representará a mais importante mudança na história de Israel. Israel estará abraçando a ideia de teocracia sobre a de democracia. Até agora, Israel sempre insistiu que não é diferente dos EUA ou de qualquer país moderno – em que igreja e estado são separados. 

É claro que não se trata de coincidência que essa mudança ocorra em seguida à recente exigência de Israel de que os palestinos reconheçam o país como um “estado judeu”. Por décadas, Israel só soube se reconhecer como Israel. A insistência em que seja reconhecido como “um estado judeu” é fundamentalmente uma tentativa de manter suas demandas em pé de igualdade às dos palestinos, e é parte do sonho dos assentados de tornar Israel tão judaica quanto o Vaticano é católico.

Tudo isso é péssima notícia para os árabes israelenses, bem como para os israelenses seculares, que estão cansados de viver num estado em que os rabinos sucessivas vezes exigem que o direito público coadune com o judaísmo ortodoxo. Aqui nos EUA a Primeira Emenda da Constituição nos protege, mais ou menos, do clero politicamente avarento. Mas os israelenses, como os iranianos, vivem com isso diariamente. E parece que em breve ficará pior – muito pior.

Nesse contexto, mostrar Netanyahu pegando leve deve ser visto como o que é: uma farsa. A esperança dos palestinos é ir para as Nações Unidas o que se tudo der certo eles farão. Quanto aos israelenses, eles devem continuar a irem para as ruas, em protesto

(*) MJ Rosenberg é membro da organização Media Matterss Action Network 

Fontehttp://english.aljazeera.net/indepth/features/2011/07/201173110175240835.html.

Tradução: Katarina Peixoto



Texto da Agência Carta Maior

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