sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Sinatra cantava o que sentia e o que bebia


O médico cuidava da mãe, evitando que morresse. O recém-nascido, com um rasgo no rosto —cortesia do fórceps—, estava roxo, sem respirar. A avó colocou-o na pia, debaixo de água gelada, e o ressuscitou. Foi quando Frank Sinatra soltou sua primeira nota, no dizer de Renzo Mora, em seu livro "Sinatra - O Homem e a Música".

O coração, que tantas fossas e dores de corno sofreu, encerrou as atividades para sempre em 1998. Sinatra tinha 82 anos e cordilheiras de fãs, agora órfãos do maior cantor popular de todos os tempos. Suas últimas palavras foram "Estou perdendo…" a vida.

Foi enterrado com uma de suas maiores companhias: uma garrafa de Jack Daniel's, sua bebida favorita, quase onipresente. Era ela que o aquecia quando estava por baixo, o que era frequente, nos intervalos entre momentos de euforia, festas, garotas bonitas e amigos leais.

Considerava-se o último dos cantores de bar (sallon singers). Não era para menos. O balcão fazia as vezes de confessionário e divã, quando não de um simples ombro amigo. Seu tema era essencialmente a solidão, mesmo quando obliquamente. De acordo com Pete Hamill, no livro "Why Sinatra Matters", suas baladas "são quase todas alimentadas pelo abandono, odes à garota que partiu. As canções mais rápidas recepcionam a garota que acabou de chegar".

Há basicamente dois tipos de cantores. O primeiro leva em conta principalmente a letra, sente as palavras, identifica-se, coloca sua experiência em cada sílaba. O segundo se importa mais com a musicalidade, com o som de cada partícula da letra. Billie Holiday e Sinatra —que deve muito a ela— são os exemplos clássicos do primeiro caso.

Muitas são as canções que Sinatra tomou para si, botou sua assinatura, tal a forma como interpretou as emoções ali contidas. E muitas estão encharcadas de uísque, champanhe, os mais diversos coquetéis. Ou do simples ato de beber… o que seja.

Como "Drinking Again". Em português, a letra começa mais ou menos assim: "Bebendo de novo/ E lembrando do tempo em que você me amava/ Tomando umas/ E desejando que você estivesse aqui".

O que estaria bebendo? Provavelmente Jack Daniel's com gelo e uma espirrada de água com gás. "Acho que qualquer coisa que te faça atravessar a noite é boa —seja uma oração, tranquilizantes ou uma garrafa de Jack Daniel's", costumava dizer.

Já em "You Go to my Head", outro hino de fossa, canta algo como "Você me sobe à cabeça/ e fica como um refrão a me assombrar/ e então você se põe a girar no meu cérebro/ como as bolhas de uma taça de champanhe". Quem terá sido essa? O furacão Ava Gardner, sua segunda mulher, é um bom palpite.

Sinatra faria 109 anos neste dia 12. Nada melhor do que brindar a ele com uma de suas canções, "Angel Eyes", que mostra bem seu lado, digamos, mafioso: para os amigos, tudo do melhor, para os inimigos, tudo do pior. Generoso e violento, Jekyll e Hyde. Diz assim: "Ei, bebam todos/ Peçam o que quiserem/ E divirtam-se, fiquem felizes/ As risadas e bebidas são por minha conta".

FRANKIE'S WAY (ou 3-2-1)

Três pedras de gelo

Dois dedos de Jack Daniel's

Uma espirrada de água com gás

Monte num copo old-fashioned. Se quiser, decore com um pedaço de casca de laranja.


Daniel de Mesquita Benevides na Folha de São Paulo - https://www1.folha.uol.com.br/colunas/daniel-de-mesquita-benevides/2024/12/sinatra-cantava-o-que-sentia-e-o-que-bebia.shtml

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