Em 1890, com o aperfeiçoamento em Londres dos motores a combustão, das baterias elétricas e do aço, tornou-se possível a construção dos submarinos, longamente sonhada. Eles seriam invencíveis numa guerra naval, por navegarem submersos e poderem atacar de surpresa os navios inimigos. A ideia foi levada à rainha Vitória, que se chocou: "O quê!? Vamos atacar sem antes mostrar nossas cores???". Foi preciso Vitória morrer para o primeiro submarino ir à guerra.
Por cores, a rainha queria dizer bandeiras. Elas eram indispensáveis nas batalhas do passado, como a Guerra dos 100 Anos, na Europa do século 14. As companhias de arqueiros a pé se punham em formação na planície, tocavam os tambores e agitavam as bandeiras. Só aí atiravam as flechas e marchavam uma contra a outra para o embate a espada. Então surgiram os primeiros canhões, mas o fairplay e a elegância continuaram —só faltavam ser disparados com hora marcada. Vide o delicioso "A Companhia Branca", de 1892, por Arthur Conan Doyle.
Da mesma forma, os antigos embates políticos, inclusive no Brasil. Os litigantes se chamavam de Vossa Excelência e iam-se mutuamente às carótidas na tribuna, mas com torneios de witticisms, frases de espírito. O campeão era o então vereador pelo Rio, Carlos Lacerda, na redemocratização de 1946. Num bate-boca com o já terrível Carlos, um adversário disparou: "Vossa Excelência é um purgante!". Lacerda: "E Vossa Excelência é o resultado desse purgante!". Anos depois, Lacerda fez uma citação em francês e o deputado Roland Corbisier, também filósofo, zombou de sua pronúncia. Lacerda respondeu com uma insinuação finíssima, mas mortal: "Infelizmente, não sou filho de mãe francesa." No Rio daquele tempo, todos entendiam o que isso queria dizer.
Nas guerras modernas, até as populações civis morrem sem saber de onde veem os ataques —por bombas atômicas, mísseis, drones e, agora, pagers e walkie-talkies. Da mesma forma, os políticos não trocam mais frases de espírito. Vão direto às ofensas, mentiras, provocações e, em última instância, cadeiradas.
Para que intermediários? Em breve, armas de fogo nos debates.
Texto de Ruy Castro na Folha de São Paulo.
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