segunda-feira, 19 de março de 2018

As balas que mataram Marielle

As balas que mataram Marielle faziam parte de um lote comprado em dezembro de 2006 pela Polícia Federal.
Ainda não se sabe como foram parar nas mãos dos assassinos da vereadora. O ministro da Segurança Pública diz que as munições podem ter sido roubadas na sede dos Correios na Paraíba. Os Correios negam.
O fato é que o lote desviado tinha quase 2 milhões de cápsulas. A redução do tamanho desses lotes é uma demanda antiga das organizações e pessoas que clamam por um controle de armas mais efetivo. Os mesmos que são acusados de querer "desarmar o cidadão de bem" e "armar os bandidos". O fato é que a maioria das armas que acabam nas mãos dos bandidos entram em circulação pelas mãos do cidadão de bem, e do próprio Estado. Mas isso não importa para quem ganha dinheiro vendendo bala e pistola.
O último estudo do Instituto Sou da Paz sobre o assunto, em parceria com a Secretaria de Segurança, mostrou que das 5 armas mais utilizadas pelo crime no estado de SP, 4 eram produzidas pela Taurus. Quase 70% das armas utilizadas pelo crime no país são de fabricação nacional.
Meu tio morreu assassinado num assalto no Rio de Janeiro, há muitos anos. Me pergunto qual a margem de lucro que essas empresas devem ter embolsado quando venderam a arma que matou ele. Não sei. Mas sei exatamente pra onde elas têm direcionado esses recursos.
Taurus é a quarta maior doadora oficial de campanha do deputado federal Alberto Fraga (DEM) que acusou Marielle, poucos dias depois de sua morte, de ter sido casada com Marcinho VP, e ter tido apoio do Comando Vermelho para se eleger. Todas acusações infundadas, como depois ele próprio admitiu. Questionado pela Band, ele afirmou ter recebido as informações pelas redes sociais e não ter apurado a veracidade do conteúdo, mas disse também que não se arrepende da postagem. 
Fraga é um dos apoiadores dos diversos projetos que tramitam na Câmara visando facilitar a aquisição de armas de fogo —hoje, os cidadãos brasileiros têm direito a ter uma arma em casa, mas precisam responder a vários pré-requisitos, justamente para evitar que elas acabem em mãos erradas. Um desses projetos, o PL 3722/2012, propõe, por exemplo, ampliar de 50 para 600 o limite de balas que podem ser legalmente adquiridas por um indivíduo no ano.
Qual cidadão de bem precisa atirar 600 vezes em um ano? Quantas dessas munições serão revendidas para o mercado ilegal? Quantas Marielles serão vitimadas por balas "desviadas" nos Correios, nas lojas, nas casas, no bolso das pessoas?
Não é a toa que Alberto Fraga foi tão leviano, e rápido, em acusar Marielle dos piores horrores, sem um fiapo de evidências para corroborar sua fala. Ele sabe exatamente quem é beneficiado pela venda das balas que mataram Marielle, da bala que matou meu tio, e das balas que matam outros 60 mil brasileiros e brasileiras, todos os anos: ele próprio.
A mentira propagada por Fraga foi repetida por uma desembargadora, e, como não poderia deixar de ser, pelos irresponsáveis do MBL.
As balas que mataram Marielle foram pagas por nós, contribuintes brasileiros. Agora, a reputação da vereadora está na mira de quem sabe muito bem disso. Gente que sempre manipulou o medo e a ignorância do público para fingir defender os cidadãos, enquanto serve aos interesses de quem não se incomoda em ver a gente morrendo, todos os dias.

Texto de Alessandra Orofino, na Folha de São Paulo

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