quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Obama tornou-se lendário antes mesmo de enfrentar os principais desafios de governo

Barack Obama era um estudante da Escola Secundária Punahou, no Havaí, na primeira vez que participou de um debate. Na época, ele já era o tipo de pessoa que os Estados Unidos conheceriam três décadas mais tarde, a pessoa que os telespectadores viram na terça-feira da semana passada e ontem: persuasivo, superior a seu adversário na maior parte do tempo, às vezes calmo, às vezes agressivo e sempre incrivelmente inteligente.

O debate colegial girou em torno do controle de armas. Seu colega Jeff Cox se preparou durante semanas, mas ele não foi páreo para Obama. Seus colegas ficaram emocionados, mas quando eles abriram seus anuários no final do ano escolar, Obama tinha escrito as seguintes palavras: “Jeff, eu realmente gostei de debater com você. Você é um cara legal e bom de discussão. Mas nenhum de nós levou o debate realmente a sério”.

Ele pode ter sido honesto em sua declaração, mas o comentário deixou um gosto amargo na boca. Obama soou como um sabichão que estava zombando de quem tinha parado para ouvir seus argumentos naquela noite. 

Obama é presidente dos Estados Unidos há pouco menos de quatro anos, e pouco antes de sua possível reeleição, em 6 de novembro próximo, sua aparente firme convicção de superioridade em relação a todos a sua volta pode se transformar em sua ruína. Quem é Romney, afinal de contas? Será que Obama já não lidou com ele em uma enxurrada de anúncios de TV que pintaram seu adversário como um capitalista sem escrúpulos, alguém que está interessado apenas em benefícios fiscais e em seus amigos bilionários? Obama já havia deixado claro à sua equipe que não considerava Romney um adversário sério.

Geralmente, Obama consegue se mostrar um orador brilhante e, a julgar pela forma como ele trata os redatores de seus discursos, é claro que ele se considera melhor do que eles. Na verdade, há muitas áreas nas quais ele parece se sentir superior aos outros. Ele despreza as práticas da baixa política, as picuinhas das negociações com os líderes do Congresso, suas obrigações sociais em Washington e a necessidade de ser sociável com colegas de partido.   

Uma disputa eleitoral inesperadamente apertada      

Muita frequentemente, Obama dá a impressão de que Washington é muito entediante para o seu gosto e que as negociações políticas são banais demais. Ele não distribui assentos em seu camarote presidencial no Kennedy Center como recompensa por serviços prestados e ele não gosta de dar carona a políticos locais em sua limusine quando retorna ao aeroporto após suas aparições de campanha.

Ao contrário do ex-presidente Bill Clinton, que recompensou seus cabos eleitorais com uma noite em um dos quartos históricos da Casa Branca, Obama não se preocupa com as necessidades de seus colegas de trabalho. Sempre que possível, ele insiste em jantar com sua família às 18h30. Segundo o livro de Michael Grunwald, intitulado “The New New Deal: The Hidden Story of Change in the Obama Era” (O novo New Deal: A História Oculta da Mudança na Era Obama), o ex-assessor econômico do presidente, Larry Summers, disse certa vez a um assessor: “se você vai se entrar para o circo, às vezes tem que se vestir de palhaço”. Mas Obama nunca quis ser palhaço.

Essa arrogância tem seu preço. Obama enfrentou sérios problemas desde o primeiro debate televisionado, no início de outubro, quando pareceu apático e irritado com Romney. Ele também parecia estar sem foco, como se não estivesse levando o debate muito a sério. Os críticos reclamaram de seus olhares desdenhosos e dos “beicinhos” de irritação.

Naquele momento, não era mais possível negar que Obama estava, talvez, se sentindo desanimado e, até mesmo, cansado de seu governo. As brincadeiras sem inspiração se mostraram um desastre político, girando em torno de uma campanha eleitoral que Obama parecia prestes a vencer. De repente, o outrora carismático político parecia um homem comum que havia desistido de sua vontade de lutar. Seu desempenho no primeiro debate foi uma profunda decepção – e, para os seus apoiadores mais leais, a performance do presidente foi até mesmo considerada um insulto.

Também ficou evidente que a atual disputa eleitoral se tornou muito imprevisível, e que as maiorias com as quais os apoiadores de Obama contavam são muito menores do que eles pensavam. As pesquisas mostraram Obama perdendo sua liderança. Agora, após o segundo e o terceiro debates, nos quais Obama se saiu melhor, os dois candidatos estão praticamente empatados. De repente, todos em Washington acreditam ser possível que Obama perca a presidência em novembro próximo.  

Esperanças frustradas     

Obama pode sentir que a súbita reviravolta é completamente injustificada, mas ele não costuma ser julgado pelos mesmos critérios aplicados aos políticos medianos. Ele é o primeiro presidente negro dos EUA. Esperava-se que ele libertasse o país do trauma dos anos Bush e de duas guerras que criaram uma enorme dívida pública e isolaram o país internacionalmente. Ele criou expectativas enormes, e muitos chegaram a acreditar que ele seria capaz de deter as mudanças climáticas e o aumento do nível dos oceanos, além de encerrar a disputa ideológica entre os partidos norte-americanos. Ele poderia ter se tornado uma espécie de rei dos EUA.

Esse é o padrão pelo qual Obama deve ser julgado hoje em dia. Antes mesmo de se mudar para a Casa Branca, já se dizia informalmente que ele era um grande presidente. Ele mal tinha assumido a presidência ao ser premiado com o Prêmio Nobel da Paz. Outros grandes presidentes com quem Obama foi comparado foram vistos como representantes de uma era – mas apenas ao final da suas presidências, como Abraham Lincoln (representante do fim da escravidão) e Franklin Delano Roosevelt (representante do New Deal).

Obama, no entanto, já era considerado uma lenda antes de enfrentar os desafios do governo. Foram seus grandes discursos que inspiraram as pessoas, e ele constantemente ganhou mais respeito por suas palavras do que por suas realizações. Ele sabia o quão poderosas eram suas palavras, e reconheceu sua importância. Em sua aula de filosofia na Escola Punahou, no Havaí, onde participou de seu primeiro debate, a professora perguntou certa vez a seus alunos o que eles mais temiam. Os colegas de Obama disseram temer coisas como a morte, a solidão, a guerra e o inferno. Obama respondeu: “Palavras. As palavras são o poder que mais devemos temer”.

Mais da mesma política 

Mas atualmente ele é apenas um candidato tentando ser reeleito – que é uma das razões pelas quais sua campanha de 2012 parece ser uma decepção, como o momento em que ocorre a principal revelação em uma fábula de herói. “Um símbolo concorreu à presidência há quatro anos. Hoje, só vemos um homem que tenta se agarrar ao cargo”, escreveu Jelani Cobb na The New Yorker.

Hoje em dia, os apoiadores de Obama ainda usam camisetas, bonés e broches com a inscrição “Obama '08”. É como uma lembrança de tempos melhores – e até mesmo um alerta para que Obama não se esqueça das promessas que fez durante sua primeira campanha.

Cerca de 12.000 pessoas compareceram a um comício de campanha do partido democrata em Miami há 10 dias, muitos carregando as antigas recordações. Mas, em vez de comprar itens novos, os espectadores puxavam seus filhos para longe das banquinhas dos vendedores ambulantes que vendiam a “coleção” deste ano, estampada com o logo “Obama 2012”.

Obama subiu correndo no palco, montado na quadra de basquete da Universidade de Miami, e parecia mais grisalho, mais velho e marcado pelos quatro anos que passou na Casa Branca. A multidão aplaudiu, e um pouco do entusiasmo parecia estar de volta, o entusiasmo sentido pelas 200.000 pessoas que se reuniram no Grant Park, em Chicago, para ouvi-lo agradecer a seus eleitores por tê-lo feito presidente. “Nós chegamos até aqui juntos”, disse Obama em Miami. Mas, em seguida, soando perigosamente sóbrio, ele fez um balanço das coisas.

Ele não prometeu novos programas nem tentou vender nenhuma nova visão. Obama disse apenas que queria dar continuidade ao que vem fazendo nos últimos quatro anos. As palavras “para frente” aparecem nos cartazes de sua campanha. Obama está divulgando uma política ao estilo “mais do mesmo”, em uma campanha praticamente desprovida de emoções. Apenas ao final de seu discurso o pregador que existe dentro de Obama ressurgiu, quando ele disse: “Eu ainda acredito em vocês. Estou pedindo que vocês continuem acreditando em mim... E, se vocês fizerem isso, nós vamos ganhar esta eleição”.

Texto de Marc Hujer, para a Der Spiegel, reproduzida no UOL. Tradução de Cláudia Gonçalves.

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