terça-feira, 18 de setembro de 2012

Atenção à classe média faz referência aos pobres desaparecer da campanha presidencial americana



Em sua apresentação do dia 7 de setembro em um simpósio sobre desigualdade em Yale, Alice Goffman, professora assistente de sociologia na Universidade de Wisconsin, falou sobre o inverno de 2011-2012, que ela passou morando em Detroit entre os muitos pobres. Goffman descreveu parte dos efeitos da pobreza extrema citando as palavras de uma moradora de Detroit, que ela batizou de “Marqueta”.
Seus dedos ficam lentos, sabe, o corpo todo fica mais lento. Você não consegue fazer muito, você tenta ficar com uma cara boa para as crianças, mas quando elas saem, você fica bem parada, coberta. É como se você se dobrasse no chão. Como se estivesse apenas esperando. Você não pensa muito… em novembro, seu estômago está gritando, mas em dezembro, você começa simplesmente a se desligar… Perto das três horas da tarde você se levanta para pegar as crianças. Liga os aquecedores para que a casa esteja quente quando chegarem.
Por trás das estatísticas, por trás da desolação na mais pobre cidade grande dos EUA, está um dos dilemas políticos mais intratáveis da nossa era: será que o Partido Democrata, o partido da esquerda, pode tratar da questão da pobreza no atual ambiente político? Ele pode falar de fome?
A fome cresceu fortemente desde o colapso financeiro de 2008, apesar de ter sido sentida fortemente por uma percentagem relativamente pequena da população. Em 2007, 12,2% dos americanos passaram pelo que o USDA (Departamento de Agricultura americano) chama de “segurança alimentar baixa”, e 4% caíram na categoria de segurança alimentar muito baixa. Em 2011, a percentagem dos que viviam com baixa segurança alimentar subiu para 16,4% e o número dos que viviam com segurança alimentar muito baixa subiu para 5,5%.
O USDA define “baixa segurança alimentar” como a falta de acesso “a toda hora a alimentos nutritivos suficientes para uma vida saudável e ativa”. Indivíduos com “segurança alimentar muito baixa” são definidos como aqueles que sobrevivem com muito pouca ou nenhuma comida “em certas partes do ano, porque a família não tem dinheiro e outros recursos para obter alimentos”.
Contudo, nos cálculos da política partidária contemporânea, os dados do USDA demonstram que a baixa segurança alimentar em 2011 foi um problema para menos de um em cada oito brancos –uma questão preocupante, mas, para muitos eleitores brancos, virtualmente invisível. A segurança alimentar muito baixa afeta as vidas de apenas um em cada 24 brancos. Já no caso dos afro-americanos, a baixa segurança alimentar é um problema que afeta um em cada quatro, e a segurança alimentar muito baixa, um em cada 10.
A questão da fome lança luz sobre a política mais ampla da pobreza. Os democratas concluíram que, para obterem votos suficientes no dia das eleições, não podem adotar posições de política que alienam os brancos da classe média. Na prática, isso significa que, durante a campanha, há uma ausência de referências explícitas aos pobres.
Os republicanos, por sua vez, acham que sua melhor chance de chegar à presidência envolve conquistar uma maioria decisiva dos votos brancos. O eleitorado de 2012 será provavelmente 72% branco, de acordo com uma análise dos números. Neste cenário, os republicanos precisam de ao menos 62% dos votos brancos para vencerem, e os democratas precisam de 38% ou mais dos votos dos brancos.
O papel que a raça passou a ter nas campanhas presidenciais ajuda a explicar um fenômeno recente na academia e no debate público: o quase abandono da tradição de expor a exploração dos pobres.
Matthew Desmond, professor assistente de sociologia em Harvard e outro palestrante no simpósio de desigualdade em Yale descreveram a longa história dos senhores de terra, dos financiadores e empregadores que se aproveitam do aluguel e do trabalho dos moradores de favelas. Desmond, então, questionou:
Se a exploração ajudou a criar a favela e seus habitantes, se há muito é uma causa clara, direta e sistemática da pobreza e do sofrimento social, por que então essa “palavra feia” – exploração - foi apagada das atuais teorias da pobreza urbana?
A pesquisa da pobreza urbana contemporânea, em vez disso, gira em torno do conceito da falta, argumentou Desmond. As teorias culturais enfatizam a falta de exemplos, de pais e de valores de classe média. Apesar de, em geral, se combaterem, as abordagens estrutural e cultural compartilham um cenário comum: que os bairros pobres são uma coisa vazia, necessitada e que, como suprimentos levados para uma colônia de leprosos, seus problemas podem ser resolvidos enchendo o vazio com mais coisas: por exemplo, mais empregos, mais educação e mais serviços sociais.
Essa abordagem resulta no seguinte engano: que aumentar o salário mínimo ou melhorar os benefícios sociais seria suficiente. Não é assim, diz Desmond, que passou meses estudando despejos dos pobres – negros e brancos - em Milwaukee: “Em um mundo de exploração, tal premissa está longe de evidente”.
Desmond defende a elevação do conceito de exploração para uma posição mais central dentro da sociologia da desigualdade. Para os que argumentaram que os pobres urbanos de hoje não são tão explorados como foram em gerações anteriores, foi preciso lembrar a aceleração dos alugueis durante a crise de habitação; a proliferação de lojas de penhores, cujo número dobrou nos anos 90; emergência das redes de financeiras, anunciando mais lojas nos EUA do que filiais do McDonald’s e que lucraram mais de US$ 7 bilhões por ano em tarifas; e a expansão colossal da indústria de empréstimos podres, que gerava mais de US$ 100 bilhões por ano em seu pico da bolha imobiliária. E ainda assim, tanto a abordagem estrutural quanto a cultural, abordagens convencionais da desigualdade, continuam a ver a pobreza urbana estritamente como resultado de certa futilidade. Como seriam diferentes nossas teorias – e nossas soluções políticas - se começássemos a ver a pobreza como resultado de uma espécie de roubo.
A apresentação de Desmond levanta outra questão: como seria diferente a política da nação se cada partido acrescentasse o conceito de exploração econômica ao seu repertório.
Não apenas arriscaria inflamar a questão da raça, mas colocaria em risco as fontes de financiamento de campanha das quais os dois partidos são dependentes. O setor de financiamento e seguro imobiliário é a maior fonte de dinheiro do Partido Democrata, com US$ 46,3 milhões nas atuais eleições, e para o Partido Republicano também, com US$ 67,7 milhões.
Essa dependência efetivamente exclui a exploração como tema para qualquer dos partidos desenvolver.
Mesmo que a polarização ofereça escolhas mais claras ao eleitor, questões urgentes continuam vetadas. Pobreza e fome foram tiradas da agenda.
A libertação de contribuição por parte dos interesses privados – em nome dos direitos da Primeira Emenda - de fato restringiu a liberdade de expressão de questões relativas àqueles que estão em desvantagem. Ela dá poder àqueles cujo objetivo é coibir a legislação de proteção ao consumidor, deter impostos mais progressivos e combater insurgências populistas.
Essa deturpação das chances em favor dos ricos acontece em uma época em que o Partido Democrata já está inibido por ser acusado de fomentar uma “guerra de classes” e de usar “a questão da raça”. O resultado tem sido uma transferência incansável do centro político da esquerda para a direita. Os dois mais recentes presidentes democratas, Bill Clinton e Barack Obama, perseguiram plataformas bem dentro desse terreno limitado. Há pouca razão para crer que Obama, se vencer em novembro, terá força para avançar muito mais em um território que os democratas praticamente abandonaram.
(Thomas B. Edsall, professor de jornalismo da Universidade Columbia, é autor do livro “The Age of Austerity: How Scarcity Will Remake American Politics”, ou “A era da austeridade: como a escassez vai reformar a política americana”, publicado no início do ano)
Texto de Thomas B. Edsall, para o The New York Times. Tradutor: Deborah Weinberg

Reproduzido no UOL

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