sexta-feira, 13 de abril de 2012

EUA e Tribunal Penal Internacional colaboram para impunidade na África Central


EUA e Tribunal Penal Internacional colaboram para impunidade na África Central

Phil Clark*
Em Londres (Inglaterra)



Dois eventos recentes destacam o flagelo dos líderes rebeldes na África Central, que usam soldados-crianças para cometer atrocidades --a campanha Kony2012 pela Internet, de autoria do grupo de defesa, Invisible Children (Crianças Invisíveis), que apoia uma ação militar liderada pelos Estados Unidos contra o líder do Exército de Resistência do Senhor, Joseph Kony--, e o veredicto de culpado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o senhor da guerra Thomas Lubanga, na República Democrática do Congo.

Acompanhando esses desdobramentos há grandes elogios para dois dos meios preferidos pela comunidade internacional para colocar um fim a conflitos em massa –intervenção militar e justiça internacional.

Mas, em grande parte ignorado, entretanto, está o fato de que, na perseguição aos líderes rebeldes na África Central, os Estados Unidos e o TPI cooperaram com os governos de Uganda e do Congo, que também foram responsáveis por assassinato, deslocamento forçado, estupro e tortura de civis ao longo dos últimos 15 anos.

Esses crimes foram cometidos por autoridades do Estado ou seus representantes rebeldes. A União dos Patriotas Congoleses de Lubanga, por exemplo, foi fortemente apoiada por Uganda e Ruanda --um ponto que o promotor no tribunal internacional, Luis Moreno Ocampo, ignorou deliberadamente no caso contra Lubanga, porque ameaçaria suas boas relações de trabalho com as autoridades ugandenses.

Os crimes cometidos pelos governos ugandense e congolês não são coisas do passado. Um relatório da ONU, da semana passada, detalhou violações de direitos humanos cometidas pelas forças de segurança congolesas --incluindo assassinato, tortura e prisões arbitrárias-- durante o volátil período eleitoral do ano passado.

Na semana passada, o governo ugandense prendeu o líder de oposição Kizza Besigye e atacou manifestantes em Campala --a mais recente de uma série de repressões desde as eleições ugandenses no início do ano passado.

Muitos comentaristas questionaram o motivo para a Primavera Árabe não ter se espalhado para o sul, onde muitas das mesmas condições para revolução existem na África sub-Saara.

Um dos principais motivos é que governos como os de Uganda e do Congo --que enfrentam contínuos protestos contra a violência do Estado, corrupção, fraudes eleitorais e alta dos preços dos commodities-- recebem apoio firme de atores internacionais como os Estados Unidos e o TPI, que fazem vista grossa para as atrocidades do governo ou ingenuamente as facilitam.

Ao se aliarem tão estreitamente a esses regimes, as tentativas internacionais de promover a paz nessa região entrincheiraram a impunidade do Estado e podem, no final, prolongar os conflitos.

Quando o presidente Obama enviou 100 consultores militares americanos para apoiarem a campanha do governo ugandense contra o Exército de Resistência do Senhor, em outubro passado, essa foi a mais recente medida de um antigo relacionamento militar.

Desde os anos 90, Washington vê o governo do presidente Yoweri Museveni como um aliado regional chave contra o governo sudanês, durante as guerras de Cartum no Sudão do Sul e em Darfur, a ameaça “terrorista” do ERS, e mais recentemente o Al Shabab na Somália.

A ajuda política, militar e econômica de Washington a Uganda tem escorado o regime de Museveni e fortalecido o papel das forças armadas na política cotidiana.

Um motivo para os amplos protestos em Uganda, no início de 2011, não terem se transformado em outra Praça Tahrir foi o fato das forças armadas ugandenses --nutridas por anos pela corrupção de Museveni e financiadas principalmente pelos Estados Unidos-- permanecerem fortemente leais ao presidente, mesmo quando lhes foi pedido que atirassem contra civis inocentes.

Enquanto isso, o TPI tem contado com Museveni e com o presidente congolês, Joseph Kabila, para o encaminhamento de seus conflitos ao tribunal, a segurança de seus investigadores, assistência na identificação e transporte das testemunhas e coleta de evidência. Em janeiro de 2004, o promotor do TPI apareceu lado a lado com Museveni em Londres para anunciar a abertura de investigações do tribunal em Uganda.

Duas semanas atrás, Ocampo anunciou que visitaria Kinshasa em breve para se encontrar com o presidente Kabila, para “agradecê-lo pelo seu apoio” durante as investigações de Lubanga. Desde o início, o relacionamento estreito de trabalho entre o TPI e os governos ugandense e congolês permitiram ao primeiro concentrar a atenção do tribunal nas atrocidades cometidas pelos líderes rebeldes, isolando ao mesmo tempo os dois últimos de serem processados.

Museveni e Kabila provaram ser hábeis em se tornar indispensáveis para os atores internacionais. A cooperação internacional sem objeções com os governos ugandense e congolês os permitiram parecer agentes da paz, segurança e justiça, mesmo continuando a cometer abusos contra seus cidadãos.

O fato de os Estados Unidos e do TPI não terem expressado preocupação enquanto Museveni e Kabila reprimiam a oposição política durante as eleições do ano passado os encorajou. A alegação pelo TPI e seus apoiadores de que o tribunal desencoraja o comportamento criminoso e, portanto, contribui para uma paz duradoura, soa vazia quando crimes são cometidos pelo Estado sob seu olhar vigilante.

Tratar de crimes cometidos por líderes rebeldes como Kony e Lubanga é vital para obtenção de uma paz e segurança de longo prazo na África Central. Mas as intervenções militares e judiciais nessa região correm o risco não apenas de ignorar as atrocidades dos governos, mas encorajá-las ativamente.

*Phil Clark é um professor de política internacional e comparativa da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, e co-fundador da Oxford Transitional Justice Research

Tradutor: George El Khouri Andolfato


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