sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Feliz 2025 pra quem?


Hoje é um novo dia de Donald Trump que começou. O ano de 2025 marca a chegada triunfal de um fio desencapado à presidência do país mais poderoso do mundo. Um alucinado que não acredita que os dez últimos anos foram os mais quentes da história. E promete jogar gasolina no incêndio global: investirá em combustíveis fósseis e deve desestabilizar o Acordo de Paris.

Vamos também comemorar seu negacionismo com as vacinas, que deve trazer de volta doenças que já estavam praticamente erradicadas. E bater palmas para a prometida deportação em massa de imigrantes pobres.

Feliz 2025 para Elon Musk. O bilionário que lucra quando enfraquece a autonomia dos países, que acumula mais poder quando gera o caos e que aumenta sua produtividade quando gera cada vez menos empregos.

A partir de 2025, Musk vai comandar o Departamento de Eficiência Governamental. Ao mesmo tempo que aplicará sua cartilha de enfraquecer a máquina pública, gerar o caos e reduzir empregos, Musk terá em mãos valiosos dados governamentais para alimentar projetos de inteligência artificial.

Não é possível dizer que Trump e Musk são a "ponta do iceberg" porque em breve não haverá mais icebergs. Os dois representam a captura completa do interesse público pela iniciativa privada: a ideologia do "my pirão first".

Trump e Musk mostram que o espírito do tempo foi licenciado pelo mercado financeiro. Mesmo nos países que ainda não estão nas mãos da extrema direita, há uma minoria poderosa capaz de desestabilizar economias caso seus interesses sejam contrariados.

É ingênuo pensar, em 2025, que o mercado determina apenas a política monetária. A teoria da prosperidade não está só na Faria Lima e nas igrejas. Virou cultura: está nas músicas, nas atitudes, nas redes sociais, na obrigação de sermos produtivos o tempo todo.

No Brasil de 2025, o cidadão é CEO de si. A redução das desigualdades sociais atrapalha a economia. A verdadeira Bahia é Balneário Camboriú. "In burnout we trust". Venceu a ideia de eliminar os pobres, e não a pobreza. Qualquer costura solidária para a sociedade já pode ser formalmente descartada.

Feliz 2025 para você que tem mais de 60 anos e dinheiro sobrando para investir. É possível que você consiga desfrutar do fim da aventura humana da Terra sem tempo para se arrepender. Ou que tenha dinheiro para embarcar num foguete de Musk.


Reprodução de texto de Renato Terra na Folha de São Paulo

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Um acordão nacional para desarmar a bomba da dívida do governo


No último ano, o governo federal pagou o equivalente a 6,7% do PIB em juros da dívida. Em valores corrigidos pela inflação, são R$ 787,2 bilhões.

Essa conta jamais foi tão alta, desde 1997, a não ser em cinco meses de 2015 e 2016, quando o país passava pela Grande Recessão. De 1997 a 2014, a média foi de 4,1% do PIB. De 2015 a 2019, de 5,2%. A série de dados do Tesouro começa em 1997.

A conta de juros recente é uma aberração, mesmo para padrões brasileiros. Os motivos imediatos são dívida maior, com juros costumeiramente altos, e a perspectiva de crescimento sem limite da dívida pública, dados os grandes déficits primários.

A receita do governo é ora de 17,92% do PIB. A despesa primária, que não inclui a conta de juros, é de 19,81% do PIB. Mesmo sem a conta de juros, a receita, pois, não dá para cobrir a despesa primária (Previdência, servidores, saúde, educação, Bolsa Família etc.). A conta de juros é paga com mais dívida. A dívida que vence é também paga com dívida nova.

A despesa primária decerto anda inflada por umas contas extraordinárias recentes. O déficit primário de 2% do PIB deve ficar em breve perto de 1% do PIB. O problema ainda será enorme.

Dada a presente situação, a dívida crescerá sem limite, até se tornar quase ingovernável ou governável de modo sinistro (grande inflação, um "ajuste Milei"), a não ser que cresçamos no antigo ritmo chinês. Não é viável.

A solução parece ser reduzir a taxa de juros. É possível fazê-lo, na marra, causando grande inflação ou também fuga e retranca do capital, o que reduzirá o crescimento —uma "solução argentina". Ou pode ser que alguém tenha na gaveta uma grande inovação prática e teórica.

Resta a "alternativa Haddad", fazer com que a "direita" (ricos) aceite pagar mais impostos e a esquerda aceite contenção de despesa. Qual proporção de impostos e de contenção de despesa depende de embate político, viabilidade econômica e da natureza do crescimento das despesas.

Algumas despesas crescem tanto ou mais que receita e PIB. Sem aumento de carga tributária, digamos que a receita cresce no ritmo do PIB.

Por exemplo, a despesa com Previdência era de 5,9% do PIB ao fim de FHC 2 (2002). Atualmente, de 8,2% do PIB. Ora é necessário que a economia cresça uns 4% para que a despesa com Previdência não cresça mais do que PIB e receita (vai piorar). Não é viável.

A "dívida bruta do governo geral" (federal, quase toda, estadual e municipal) equivalia a 71,7% do PIB antes do início de Lula 3. Está em 77,3%.

A dívida foi em média de 55% do PIB entre 2006 e 2014. Deu um salto na Grande Recessão, para 69,8% (final de 2016), chegando ao pico anterior de 77,1% em abril de 2019 (descontada a epidemia). Cresceu por causa de anos de PIB abaixo do nível de 2013, mais déficit, mais juros. Agora, a dívida aumenta como nunca e em anos de bom crescimento do PIB. Não é viável.

Dívidas podem ser reduzidas com grande inflação e miséria social. Ou com um plano crível de longo prazo que combine mais impostos com contenção de aumento de despesa primária. No Brasil de hoje, isso depende de profunda reforma previdenciária, de vinculações de despesa e receita, de revisão gigante do meio trilhão de benefícios tributários e de aumento de tributação de mais ricos.

É quase uma revolução social-fiscal. Depende de acordão nacional. Por ora, há apenas sabotagem nacional.


Texto de Vinicius Torres Freire na Folha de São Paulo

domingo, 29 de dezembro de 2024

Livros sobre autoritarismo, democracia e desigualdade foram destaque em 2024


Foi mais um ano forte em obras sobre autoritarismos, democracia e desigualdades.

Duas reedições merecem menção: em "Lélia Gonzalez: Um Retrato", Sueli Carneiro apresenta ao grande público uma introdução à trajetória de uma grande intelectual e ativista brasileira. Por sua vez, o historiador português Rui Tavares procurou, em "Esquerda e Direita: Um Guia Histórico para o Século 21", reconstruir os pontos cardeais do debate público com notável sensibilidade histórica.

Entre os lançamentos, "Cachorros", de Marcelo Godoy, se destaca por narrar com riqueza de detalhes a operação de assassinato da direção do Partido Comunista Brasileiro pela ditadura militar brasileira. A matança foi possível graças a uma infiltração nos mais altos níveis do partido, aqui revelada pela primeira vez. O PCB não aderiu à luta armada.

"Chumbo", de Matthias Lehmann, é a primeira obra de ficção, e a primeira história em quadrinhos, a entrar nas minhas listas de fim de ano. Publicada originalmente na França, a obra fala da ditadura militar brasileira enquanto conta as histórias de duas famílias mineiras.

Em "Limite de Caracteres: Como Elon Musk Destruiu o Twitter", Kate Conger e Ryan Mac mostram como parte da esfera pública global passou para as mãos de um bilionário de extrema direita.

"Takeover: Hitler’s Final Rise to Power", de Timothy W. Ryback, é a história das negociações dentro da direita tradicional alemã que permitiram que Adolf Hitler chegasse ao poder por dentro de instituições democráticas que destruiria logo depois. Pois é.

Em "Revolusi: Indonesia and the Birth of the Modern World", David Van Reybrouck reconstrói com brilhantismo a história da luta pela independência da Indonésia, um país que esteve no centro de várias lutas centrais da modernidade.

"Assombros da Casa-Grande", de Marcos Queiroz, mostra como o tema da escravidão e o medo da rebelião escrava impactaram a elaboração da primeira Constituição brasileira, em 1824, bem como muito do pensamento político brasileiro posterior.

Em "Democracia Negociada: Política Partidária no Brasil da Nova República", Fernando Limongi e Leonardo Weller produziram uma história da Nova República fortemente informada pelo que há de melhor na ciência política brasileira.

"O Silêncio da Motosserra: Quando o Brasil Decidiu Salvar a Amazônia", de Claudio Angelo e Tasso Azevedo, conta a história da redução do desmatamento na Amazônia brasileira de 2005 a 2012, uma das grandes lutas políticas do mundo nas últimas décadas. É o relato de uma grande vitória brasileira.

Bruno Carazza começou a publicar o esperado "O País dos Privilégios", que discutirá os mecanismos pelos quais o Estado brasileiro produz e reproduz desigualdades e ineficiência. O primeiro volume trata dos abusos da elite do funcionalismo público brasileiro.

Para escrever "Extremos: Um Mapa para Entender as Desigualdades no Brasil", Pedro Fernando Nery viajou para lugares que ocupam extremos nas estatísticas de desigualdade brasileiras. Enquanto apresenta suas histórias, discute dados e propostas de políticas públicas que ajudariam a resolver o problema. Conciliando um tema urgente com uma estratégia expositiva genial, é o livro do ano.


Texto de Celso Rocha de Barros na Folha de São Paulo.

Saiba como funciona a imunoterapia para tratar candidíase recorrente


candidíase recorrente, caracterizada por quatro ou mais episódios de infecção por fungos do gênero candida em um ano, pode se tornar um problema persistente. Apesar dos tratamentos convencionais com antifúngicos, muitas pessoas continuam a sofrer com os sintomas incômodos dessa condição.

O tratamento convencional para a candidíase vaginal recorrente envolve um plano prolongado, combinando antifúngicos orais ou tópicos, com o objetivo de eliminar a infecção ativa e prevenir novas crises. Inicialmente, são usados antifúngicos por via oral ou cremes e supositórios vaginais, dependendo da gravidade dos sintomas.

Nos casos em que o fungo se mostra muito resistente, pode ser necessário identificar a espécie de candida envolvida, pois algumas são mais difíceis de tratar. Com esse quadro, é preciso controlar fatores de risco como diabetes descompensada, estresse e o uso frequente de antibióticos, afirma a ginecologista Helizabet Salomão Abdalla Ayroza Ribeiro, do Hospital Santa Isabel, da Rede D’Or.

Para quem sofre com a candidíase de repetição, a imunoterapia surge como uma alternativa promissora. O tratamento consiste em "treinar" o sistema imunológico para reconhecer e combater Candida albicans de maneira mais eficaz, de acordo com a médica. O objetivo da imunoterapia é modular e estimular a resposta imunológica do organismo.

Como funciona a imunoterapia para tratar candidíase?

Existem diferentes abordagens, como as vacinas contra candida, que estimulam a produção de anticorpos específicos para prevenir futuras infecções. "A vacina previne recorrências em pessoas propensas à infecção, reduz a gravidade e a duração dos sintomas durante infecções agudas", diz Ribeiro.

Há também terapias baseadas em anticorpos, que neutralizam o fungo ou ativam células do sistema imunológico para melhorar a resposta ao patógeno.

Conhecida como "vacina contra candidíase", a imunoterapia funciona de maneira similar aos imunizantes tradicionais, usados para prevenir outras doenças. Os benefícios potenciais incluem a redução da frequência de episódios de candidíase e a diminuição da gravidade dos sintomas, além da possibilidade de oferecer uma solução duradoura para casos resistentes aos tratamentos convencionais.

A ginecologista ressalta, contudo, que esse tipo de tratamento está em fase experimental. Ainda é difícil encontrar locais especializados na imunoterapia, com opções geralmente restritas a clínicas de alergia e nutricional.

"Alguns ensaios clínicos demonstraram resultados promissores, mas ainda não há um produto amplamente disponível no mercado", afirma a médica. "A imunoterapia pode ser indicada no futuro para casos severos de candidíase recorrente, especialmente quando os tratamentos convencionais falham."

Um estudo publicado na National Library of Medicine avaliou a imunoterapia com alérgeno de Candida albicans em 34 mulheres com candidíase vaginal recorrente e resistência aos tratamentos convencionais. Após receberem injeções semanais por 17,4 meses, 64% das pacientes apresentaram melhorias —26% não tiveram episódios por dois anos e 38% apresentaram redução nos sintomas.

Os efeitos foram notados entre dois e 12 meses de tratamento, sugerindo que a imunoterapia pode ser uma opção eficaz para casos difíceis de tratar.

Como prevenir a candidíase?

A prevenção da candidíase recorrente envolve, além do uso de antifúngicos profiláticos, algumas medidas complementares que podem ajudar a reduzir a frequência das infecções. Igor Padovesi, ginecologista do Hospital Albert Einstein, destaca a importância do uso de probióticos, especialmente os que contêm lactobacilos, para melhorar a microbiota intestinal.

Isso, por sua vez, tem um efeito positivo na microbiota vaginal, ajudando a manter o equilíbrio necessário para prevenir a proliferação de Candida albicans. A ingestão de probióticos é feita geralmente por via oral.

Mudanças de hábitos também são essenciais. Evitar roupas apertadas, reduzir o consumo de açúcar e adotar boas práticas de higiene íntima são medidas simples, mas eficazes. Os médicos afirmam ainda que a candidíase vaginal recorrente pode ser um sinal de problemas de saúde subjacentes ou fatores que comprometem o equilíbrio imunológico e a microbiota vaginal.

As condições associadas incluem diabetes descontrolada, alterações hormonais (gravidez e contraceptivos), sistema imunológico enfraquecido (HIV, medicamentos imunossupressores), desequilíbrio da microbiota vaginal (uso excessivo de antibióticos e disbiose intestinal), estresse crônico, doenças autoimunes e deficiências nutricionais como anemia.

Padovesi ressalta que, antes de diagnosticar a candidíase, é essencial confirmar se o corrimento recorrente, ou vulvovaginite recorrente, é realmente causado por candida. Isso porque existem outras condições que podem simular a candidíase, apresentando sintomas semelhantes, mas que não são causadas pelo fungo.

"Um exemplo comum é a vaginite citolítica [crescimento excessivo de lactobacilos, bactérias que normalmente estão presentes na flora vaginal], que tem manifestações parecidas com a candidíase, mas requer um tratamento distinto."

O médico também lembra que tratar o parceiro na candidíase vaginal é, em geral, uma exceção e recomendado apenas em casos mais complexos.

candidíase não é considerada uma infecção sexualmente transmissível. No entanto, o tratamento do parceiro pode ser indicado para casos de balanite (inflamação do pênis), que pode ser causada por fungos. Para homens assintomáticos, o tratamento geralmente não é necessário, mas casos de infecções persistentes ou difíceis de controlar pedem uma avaliação profissional.


Reprodução de reportagem de Raíssa Basílio na Folha de São Paulo

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Desterrados em nossa terra


"A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências. Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra." 


Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, originalmente publicado em 1936

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Sinatra cantava o que sentia e o que bebia


O médico cuidava da mãe, evitando que morresse. O recém-nascido, com um rasgo no rosto —cortesia do fórceps—, estava roxo, sem respirar. A avó colocou-o na pia, debaixo de água gelada, e o ressuscitou. Foi quando Frank Sinatra soltou sua primeira nota, no dizer de Renzo Mora, em seu livro "Sinatra - O Homem e a Música".

O coração, que tantas fossas e dores de corno sofreu, encerrou as atividades para sempre em 1998. Sinatra tinha 82 anos e cordilheiras de fãs, agora órfãos do maior cantor popular de todos os tempos. Suas últimas palavras foram "Estou perdendo…" a vida.

Foi enterrado com uma de suas maiores companhias: uma garrafa de Jack Daniel's, sua bebida favorita, quase onipresente. Era ela que o aquecia quando estava por baixo, o que era frequente, nos intervalos entre momentos de euforia, festas, garotas bonitas e amigos leais.

Considerava-se o último dos cantores de bar (sallon singers). Não era para menos. O balcão fazia as vezes de confessionário e divã, quando não de um simples ombro amigo. Seu tema era essencialmente a solidão, mesmo quando obliquamente. De acordo com Pete Hamill, no livro "Why Sinatra Matters", suas baladas "são quase todas alimentadas pelo abandono, odes à garota que partiu. As canções mais rápidas recepcionam a garota que acabou de chegar".

Há basicamente dois tipos de cantores. O primeiro leva em conta principalmente a letra, sente as palavras, identifica-se, coloca sua experiência em cada sílaba. O segundo se importa mais com a musicalidade, com o som de cada partícula da letra. Billie Holiday e Sinatra —que deve muito a ela— são os exemplos clássicos do primeiro caso.

Muitas são as canções que Sinatra tomou para si, botou sua assinatura, tal a forma como interpretou as emoções ali contidas. E muitas estão encharcadas de uísque, champanhe, os mais diversos coquetéis. Ou do simples ato de beber… o que seja.

Como "Drinking Again". Em português, a letra começa mais ou menos assim: "Bebendo de novo/ E lembrando do tempo em que você me amava/ Tomando umas/ E desejando que você estivesse aqui".

O que estaria bebendo? Provavelmente Jack Daniel's com gelo e uma espirrada de água com gás. "Acho que qualquer coisa que te faça atravessar a noite é boa —seja uma oração, tranquilizantes ou uma garrafa de Jack Daniel's", costumava dizer.

Já em "You Go to my Head", outro hino de fossa, canta algo como "Você me sobe à cabeça/ e fica como um refrão a me assombrar/ e então você se põe a girar no meu cérebro/ como as bolhas de uma taça de champanhe". Quem terá sido essa? O furacão Ava Gardner, sua segunda mulher, é um bom palpite.

Sinatra faria 109 anos neste dia 12. Nada melhor do que brindar a ele com uma de suas canções, "Angel Eyes", que mostra bem seu lado, digamos, mafioso: para os amigos, tudo do melhor, para os inimigos, tudo do pior. Generoso e violento, Jekyll e Hyde. Diz assim: "Ei, bebam todos/ Peçam o que quiserem/ E divirtam-se, fiquem felizes/ As risadas e bebidas são por minha conta".

FRANKIE'S WAY (ou 3-2-1)

Três pedras de gelo

Dois dedos de Jack Daniel's

Uma espirrada de água com gás

Monte num copo old-fashioned. Se quiser, decore com um pedaço de casca de laranja.


Daniel de Mesquita Benevides na Folha de São Paulo - https://www1.folha.uol.com.br/colunas/daniel-de-mesquita-benevides/2024/12/sinatra-cantava-o-que-sentia-e-o-que-bebia.shtml

sábado, 14 de dezembro de 2024

Reduzir a pobreza no Brasil não afeta a desigualdade


O dicionário diz que pobreza é falta, em especial, falta daquilo que é necessário à subsistência. Pobreza significa pouco, carência. Desigual, também segundo o dicionário, significa um estado de coisas que não são iguais entre si, é uma comparação.

Muitas são as memórias de fatias de bolos divididas desigualmente entre irmãos na infância. Enquanto pobreza é uma forma de se referir à escassez de algo, a desigualdade é uma forma de se referir à comparação de algo entre pessoas. Pobre é quem tem um pedaço pequeno do bolo, desigualdade é a comparação dos tamanhos dos pedaços entre as pessoas.

Internacionalmente falando, o bolo brasileiro está muito mal distribuído. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2021/2022, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil é um dos países de renda mais desigual do mundo: ocupa o 14º lugar e divide a posição com o Congo.

No entanto, quando se trata de países mais pobres, o Brasil não está listado pelo Banco Mundial entre as situações mais graves e que serão foco dos fundos internacionais de pobreza nos próximos anos. Não somos destaque internacional em pobreza, somos em desigualdade.

Essa realidade novamente apareceu na Síntese de Indicadores Sociais de 2023 do IBGE: a pobreza foi a menor já registrada na nossa história e a desigualdade ficou estagnada. Qual é a característica do Brasil que nos coloca nesta situação? De acordo com o World Development Indicators, os 20% mais pobres do Brasil detêm 4% da renda total do país, enquanto os 20% mais ricos detém 57%.

A anatomia da desigualdade do país é de alta concentração de renda entre os mais ricos. Portanto, mudanças na alocação de renda entre os mais pobres não reverberam facilmente na desigualdade brasileira por conta da altíssima concentração nos super-ricos. Isso quer dizer que a redução de pobreza irá afetar pouco ou nada a desigualdade, como ficou claro nos dados do IBGE de 2023.

Para afetar a desigualdade, é necessário mudar a alta concentração de riqueza entre poucos. Quais são as implicações para a política pública?

Primeiro, as estratégias de combate à pobreza e à desigualdade para o Brasil precisam ser absolutamente diferentes. Todo o esforço de combate à fome e pobreza de renda terão impacto pequeno sobre a desigualdade pois ela decorre da grande concentração nos mais ricos. Apesar de frustrante, é importante lembrar que existe uma vantagem. Considerando que os ricos geram arrecadação e não demandam política pública e os mais vulneráveis precisam de política social, ter ricos é bom. No cenário de ausência de ricos que geram arrecadação, a situação ficaria ainda mais complicada.

Segundo, considerando que o governo brasileiro arrecadou de fato, com mais ou menos justiça tributária, R$ 11 trilhões em 2023, um enorme bolo, nos falta gastar com qualidade em prol dos mais vulneráveis o que já temos. Há recurso suficiente não para reduzir como em 2023, mas para zerar a pobreza.

Não nos falta volume, nos falta gastar bem, nos falta qualidade do gasto. Por fim, apesar de ser uma vantagem, não existe combate à desigualdade sem repensar a tributação dos mais ricos no Brasil. No entanto, seria justo ter imediatamente uma qualidade de gasto mais adequada, arrecadar mais para gastar de maneira ineficiente não é o que queremos.


Reprodução de texto de Laura Müller Machado na Folha de São Paulo

Por que o Senado quer baratear armas?


Para o Senado, a prioridade absoluta no país nesta semana foi fazer com que armas e munições fiquem mais baratas para quem as compra e, consequentemente, para os criminosos para quem são desviadas. Excluídas do Imposto Seletivo na reforma tributária, passarão a usufruir de uma carga tributária reduzida.

Não é porque o governo Bolsonaro tenha acabado que o lobby armamentista terminou, pelo contrário: parlamentares pró-armas continuam acumulando vitórias, diante da apatia da gestão Lula.

A pressão pró-armas é uma pauta sectária: 72% da população discorda que a sociedade seria mais segura se as pessoas andassem armadas, segundo Datafolha de 2022; e pesquisa de 2023 revelou que expressivos 48% discordam total ou parcialmente com o direito a ter armas. A proposta do Senado revela parte da classe política mais preocupada em baratear armas que custam vários salários mínimos do que pensar se os brasileiros vão comer todos os dias. A Câmara, nesta mesma semana, votou por anistiar armas ilegais.

Por que, afinal, o Congresso Nacional quer baratear e facilitar o acesso a armas? Ao baratear armas, o Senado quer que mais mulheres sejam executadas por seus parceiros (43% dos autores de feminicídio cometidos com armas de fogo em 2022 no Brasil eram próximos às vítimas). Ao baratear armas, o Senado quer ajudar criminosos a ter acesso mais fácil a armas e munições (o crime se abastece, em sua maioria, de artefatos comprados legalmente, mostram os dados de armas apreendidas).

Ao baratear armas, o Senado quer que mais crianças sejam mortas de forma violenta (arma de fogo foi usada em 3 de cada 10 das mortes de crianças no país entre 2021 e 2023). Ao baratear armas, o Senado quer que mais pessoas negras sejam mortas (8 a cada 10 homens mortos por arma são negros no país).

Fora da realidade paralela do WhatsApp bolsonarista financiado por interesses privados armamentistas, o resultado do barateamento de armas no mundo real é: mais pobres mortos, mais mulheres violentadas e mais criminosos com acesso a armas.


Reprodução de texto de Thiago Amparo na Folha de São Paulo

Procuram-se os líderes que se vendiam como fiadores do ajuste fiscal no Congresso

 

Lideranças do Congresso Nacional passaram o ano de 2024 cobrando corte de gastos no lugar da agenda de aumento da arrecadação encabeçada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Foram meses e meses de discursos de parlamentares da oposição e do centrão pedindo ao governo Lula que mudasse a chave do ajuste fiscal com disparos de avisos histriônicos pedindo basta de aumento de impostos.

Por fim, o governo enviou ao Congresso um pacote com medidas para a redução do crescimento dos gastos. E o que os parlamentares fazem?

Trabalham para desidratar as medidas se aproveitando da correria que o governo impôs ao Congresso ao apresentar as medidas a menos de um mês do início do recesso parlamentar.

O ano legislativo foi de pouco trabalho, muita barganha por mais emendas parlamentares, atropelo no rito regimental das votações e jabutis de todos os tipos. Não poderia terminar diferente agora nas negociações do pacote.

Procuram-se as lideranças que há não muito tempo se colocavam como fiadoras da responsabilidade fiscal nos eventos megaexclusivos da Faria Lima e de apoiadores de reformas estruturantes dos gastos.

Sumiram.

Silêncio também dos prováveis novos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta.

Os congressistas resistem ao ajuste porque, dizem, o ônus de medidas impopulares é do governo Lula. Entre eles, os que chamaram o pacote de tímido e insuficiente.

Querem flexibilizar até mesmo as medidas que têm apoio geral da população brasileira de restrição aos supersalários no funcionalismo público.

Afinal, não eram os congressistas que estavam pedindo a reforma administrativa? Não se pode nem chamar de reforma uma restrição para valer dos privilégios com a redução dos penduricalhos, mas seria um primeiro passo.

Não aguentam nem a pressão do Judiciário, que atua no bastidor para tirar a eficácia da medida.

Na verdade, não têm match para melhorar o pacote no Congresso. Se o PT, o partido do governo, não quer, por que o Congresso vai querer? É a justificativa apresentada.

O relator da PEC, deputado Moses Rodrigues (União Brasil-CE), em entrevista à Folha, deixou claro que não vai aumentar o impacto fiscal da proposta. Não pediu para ser relator, mas foi escolhido justamente para evitar atrasos na votação com a incorporação de medidas mais estruturantes.

Os negociadores técnicos do governo trabalham para evitar uma nova desidratação, além da que já ocorreu no Palácio do Planalto, quando Lula ouviu a política e deu sinal verde para um anúncio conjunto de corte de gastos, desoneração do Imposto de Renda e aumento de tributos para os milionários.

O presidente não ouviu os seus auxiliares da equipe econômica nem o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, que foi chamado por ele a dar opinião em reunião na véspera do anúncio do pacote.

Após duas semanas da divulgação das medidas, Galípolo esteve junto dos demais diretores que votaram pelo tratamento de choque nos juros.

O dólar não cede. Já não se espera mais que a votação do pacote a jato seja capaz de garantir uma queda acentuada da cotação da moeda norte-americana para dar boas-vindas a 2025. Que barafunda.


Reprodução de texto de Adriana Fernandes na Folha de São Paulo

sábado, 7 de dezembro de 2024

O senhor da guerra


"Imagine um apocalipse. Você olha à direita, à esquerda, tudo que vê são edifícios destruídos, danificados por fogo, por mísseis, tudo. É Gaza, bem agora." Yuval Green, 26, reservista de Israel, atendeu ao chamado às armas no rastro do 7 de outubro, mas decidiu dar um basta e explicou seu motivo moral à BBC. Ele entendeu que a guerra já não é sobre reféns ou o Hamas. E, depois de contemplar o apocalipse, talvez algum colega tenha lhe contado: Netanyahu, o senhor da guerra, pretende ficar em Gaza.

O Corredor de Netzarim, com cerca de 7 km de comprimento e de largura, corta a Faixa de Gaza do Mediterrâneo à fronteira israelense, pouco ao sul da Cidade de Gaza. Imagens de satélite mostram que as forças de Israel destruíram centenas de edificações situadas ao longo do corredor, dando lugar a 19 bases e dezenas de postos militares. O senhor da guerra tem um plano para o pós-guerra: girar os ponteiros do relógio para antes de 2005, quando Israel retirou suas forças e seus assentamentos da Faixa de Gaza.

Há pouco, em setembro, uma coalizão de 57 países árabes e muçulmanos ofereceu uma paz sustentável. "Todos nós queremos garantir a segurança de Israel num contexto de encerramento da ocupação e permissão do surgimento de um Estado Palestino", esclareceu o ministro do Exterior jordaniano. Seriam três etapas: 1) fim da guerra e retorno dos reféns; 2) uma coalizão internacional hostil ao Hamas sustenta a instalação de um governo da Autoridade Palestina em Gaza; 3) Israel incorpora-se a um acordo regional de segurança destinado a conter o Irã.

O senhor da guerra ignorou a oferta. Por quê? A resposta certa não veio de algum ativista de esquerda que oculta seu antissemitismo na utopia do "Estado único binacional", mas de Moshe Yaalon, ministro da Defesa de Netanyahu entre 2013 e 2016: "O caminho pelo qual eles nos arrastam é de ocupar, anexar e promover limpeza étnica".

Netanyahu tem mais que as proverbiais sete vidas. A ofensiva contra o Hezbollah abriu-lhe um atalho de recuperação parcial de popularidade. O cessar-fogo no Líbano permite-lhe concentrar forças em "ocupar, anexar e promover limpeza étnica" em Gaza –mas também em impulsionar a agressão dos colonos contra a população palestina da Cisjordânia. O senhor da guerra nega oficialmente, mas persegue na prática a estratégia ditada pelos ministros supremacistas de seu gabinete. O triunfo de Trump só o encoraja a avançar na rota do desastre.

Um duplo desastre –para os palestinos, já, e para Israel, no horizonte histórico. Meses antes de morrer, em 2018, o escritor Amos Oz proferiu uma palestra seminal (shorturl.at/yruX8). Reiterou que nunca foi um pacifista, registrou o fracasso geral das experiências de Estados multinacionais e acendeu a luz de alerta.

Sem dois Estados, explicou, o que surgirá será um Estado árabe, "do rio até o mar". O intervalo até tal desenlace poderia ser preenchido por uma ditadura israelense sobre os palestinos ou terríveis violências ou uma etapa de apartheid. Mas a conclusão não mudaria –e os judeus retornariam à condição de minoria perseguida em terra estrangeira. No fim das contas, a demografia manda.

A alternativa encontra-se na proposta árabe de paz, aquela contra a qual o senhor da guerra conduz sua guerra.


Texto de Demétrio Magnoli na Folha de São Paulo.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Clarice Lispector confessou que meu mistério é não ter mistério


No livro "Clarice Lispector Entrevista", descobri alguns dos segredos da minha escritora favorita.

"Gosto de pedir entrevista –sou curiosa. E detesto dar entrevistas: elas me deformam. Há pouco tempo, sei lá por que, saí da minha linha e dei uma entrevista. Saiu boa. Mas não é que disseram que eu, enquanto escrevia, caía em transe... Lamento muito, mas sou um pouco mais saudável do que inventam. Meu mistério é não ter mistério. Tudo isso agora para dizer que espero nestas entrevistas não deformar as palavras dos meus entrevistados, palavras estas que são a persona de cada um."

Além das deliciosas conversas com os 83 entrevistados, o que mais me encantou no livro foi a oportunidade de mergulhar no mundo de Clarice.

Por exemplo, ela preferia fazer anotações à mão. "Fale mais devagar porque essa minha horrível mão queimada pelo incêndio escreve devagar", pediu a Vinicius de Moraes (Manchete, 12/10/1968). O poeta disse: "Tenho tanta ternura pela sua mão queimada". E Clarice registrou: "Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho".

Para o poeta Pablo Neruda (Jornal do Brasil, 12/4/1969), Clarice contou: "Sou uma tímida ousada e é assim que tenho vivido, o que, se me traz dissabores, tem-me trazido também algumas recompensas".

Clarice confessou que era melancólica para Sarah Kubitschek (Manchete, 19/10/1968): "Como primeira-dama do Brasil que a senhora foi, precisava de um bom temperamento. O meu, para dar um exemplo, é cheio de altos e baixos, misturando um pouco de melancolia a muita atividade".

Ela perguntou ao psicanalista Hélio Pellegrino (Manchete, 9/7/1969): "Você quereria ter outras vidas? Era o meu sonho ter várias. Numa eu seria só mãe, em outra vida eu só escreveria, em outra eu só amaria".

Foi uma grande surpresa descobrir que tivemos um entrevistado em comum: Ivo Pitanguy (Manchete, 20/4/1969). Quando ela perguntou: "Qual é o seu hobby?", o cirurgião plástico, aos 46 anos, respondeu o mesmo que disse para mim quando tinha quase 90 anos: "Meu hobby verdadeiro é o meu trabalho".

Muitas vezes os papéis se inverteram. A escultora Maria Martins (Manchete, 21/12/1968) perguntou: "E você, Clarice, qual é a sua experiência de vida diplomática, você que é uma mulher inteligente?"

Clarice respondeu: "Não sou inteligente, sou sensível, Maria. E, respondendo à sua pergunta: eu me refugiei em escrever. Você conseguiu esculpir, eu consegui escrever. Qual o nosso mútuo milagre? Acho, eu mesma, que conseguimos devido a uma vocação bastante forte e a uma falta de medo de ser considerada ‘diferente’ no ambiente social diplomático".

A amiga continuou: "Clarice você é um monstro sagrado, e não há ninguém no Brasil incapaz de te ver tal como és: luminosa e triste". Clarice reagiu: "Uma das coisas que me deixam infeliz é essa história de monstro sagrado: os outros me temem à toa, e a gente termina se temendo a si própria. A verdade é que algumas pessoas criaram um mito em torno de mim, o que me atrapalha muito: afasta as pessoas e eu fico sozinha. Mas você sabe que sou de trato muito simples, mesmo que a alma seja complexa".

A escritora tímida ousada, que nunca quis ser um monstro sagrado nem um mito, revelou nas linhas e entrelinhas de Clarice Lispector Entrevista que: "eu sou mais forte do que eu".


Texto de Mirian Goldenberg na Folha de São Paulo.

domingo, 24 de novembro de 2024

Ainda estamos aqui, com terrorismo militar e a direita tosca que golpeia o país


O plano de golpe dos militares bolsonaristas foi "fanfarronada", disse o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice de Jair Bolsonaro e general de Exército. Bravata, coisa de quem fantasia ter força. O plano "Punhal Verde Amarelo", de matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes seria "sem pé nem cabeça".

Mourão acertou, sem querer. Tosco é o termo benigno para descrever o grupo. Um general de Brigada, Mario Fernandes, alto funcionário do Planalto, era líder operacional do bando e de parte da malta do 8 de Janeiro. Perambulava na noite do palácio para imprimir um "plano infalível" de golpe, como gênio burocrata do mal de filme "D" (não tinha fax?). Coronéis e majores parecem semiletrados, de baixa qualificação profissional e moral, gente vulgar, boca-suja, violenta e paranoica.

Parece, portanto, o governo Bolsonaro. Tosco e daninho.

Recorde-se a reunião ministerial de 22 de abril de 2020, aquela em que Bolsonaro exige que se meta a mão na polícia e na espionagem, para livrar a própria cara e a da família. São os mesmos sinais de despreparo, de perturbação psicológica, ressentimentos doentios, alguns violentos; são os mesmos modos desclassificados. Havia loucos ignaros. Por exemplo, Bolsonaro e parte de sua equipe econômica diziam que logo arrumariam R$ 1 trilhão, com o que as contas do governo e estabilidade estariam resolvidas.

Por falar em palhaçada grosseira e sinistra, houve Jânio Quadros (1961) e seu autogolpe frustrado. Houve o improviso, o cesarismo alucinado, o confisco e a roubança de Fernando Collor (1990-92), que deu calote na dívida pública, apoiado por empresários e liberais. A farsa tosca que termina em tragédia não é uma anomalia. É um padrão, um projeto recorrente.

A quadrilha do "Punhal Verde Amarelo" faz lembrar também do terrorismo militar dos anos 1950. Em fevereiro de 1956, dez dias depois da posse de Juscelino Kubitschek, o major Haroldo Veloso e o capitão José Lameirão, da FAB, roubaram um avião militar carregado de armas e tomaram cidades e vilas do sudoeste do Pará. Era a revolta de Jacareacanga. Esperavam provocar guerra civil e a derrubada de JK, que quase não tomara posse por causa da tentativa de golpe de UDN e militares, em 1955.

Pela "governabilidade", JK anistiou os golpistas ainda em março de 1956. Veloso voltaria ao terrorismo em 1959 (revolta de Aragarças). Vários deles participaram do terror e da tortura da ditadura de 1964. Era projeto antigo. Um golpe militar depusera Getúlio Vargas em 1954, mas GV revidou com o suicídio. O fracasso golpista ficou entalado na garganta até 1964.

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, estava a caminho do generalato. No final do governo das trevas, foi nomeado para comando de tropa importante —Lula teve de demitir o comandante do Exército a fim evitar a armação.

Cid havia sido o nó central do golpismo, além de falsário, mentiroso, muambeiro etc. Ele e colegas estudaram "intervenção militar" na escola de pós-graduação do Exército (artigo 142 da Constituição). Mais um tosco e golpista no centro do poder.

O centrão e o direitão quase inteiro do Congresso se calam sobre o golpe, em parte ocupados com emendas, eleição de Câmara e Senado e porque querem evitar a discussão de 2026. Ou falam de "toscos". Serão cúmplices de um golpismo de longa história.


Reprodução de texto de Vinicius Torres Freire na Folha de São Paulo.