O ex-presidente Lula notou uma tendência. No "New York Times", escreveu que o PT precisa recuperar as ligações com os movimentos sociais. Não será fácil. Tome como exemplo um segmento específico, combate ao trabalho escravo, área em que a sigla reinava sozinha.
Assim como na política de transferência de renda, o marco inicial dessa ação não é petista. Foi em 1995 que FHC reconheceu oficialmente o problema diante da ONU. Nascia o grupo de fiscalização móvel, eficiente instrumento para libertar trabalhadores.
Mas, tal qual o Bolsa Família, foi sob Lula que a política ganhou corpo e alcance. Já em 2003, o total de pessoas resgatadas saltou para 5.223, mais que o dobro do recorde tucano. Em oito anos, foram 33.287 libertações, seis vezes mais que nos oito anteriores.
Além das operações, foi criada a lista suja de exploradores, permitindo que a circulação de mercadorias de origem escravagista fosse exposta. Bancos cortaram empréstimos. Empresas passaram a romper com fornecedores delituosos. Até o ultracapitalista Walmart aderiu.
No fim da gestão Lula, porém, ocorreu uma tentativa de enfraquecimento da política. A Advocacia-Geral da União fez um acordo inédito para impedir um retorno da Cosan à lista suja. Maior produtora de álcool do país, ela era a estrela da campanha do etanol.
Em 2012, novo susto. Ativistas perceberam uma articulação no governo para ajudar a construtora MRV --estrela do Minha Casa, Minha Vida-- a sair do cadastro. Com uma liminar, a firma acabou não precisando do favor. Nesse caso, o Judiciário foi rápido.
Enquanto isso, em São Paulo, algo novo surgia. O deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB) aprovou uma lei que cassa inscrição estadual de empresa flagrada. Na prática, inviabiliza sua atuação. Para os entendidos, é a ação mais ousada contra o escravismo hoje. E o fim da primazia petista no setor.
Para regulamentar a lei, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, aproveitou um evento do Judiciário e de ONGs sobre o tema. É significativo que, confirmada no programa, a ministra petista Maria do Rosário (Direitos Humanos) não tenha aparecido.
Esse tipo de inversão em área que o PT surfava sozinho não é inédito. Ambientalistas e militantes da causa indígena desembarcaram junto com Marina Silva. Entre os gays, Marta Suplicy foi trocada pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) como porta-voz. Sobre drogas, a nova referência é FHC.
Para a reaproximação que Lula quer, ativistas dirão que o petismo deve rever a opção pelo desenvolvimentismo a qualquer custo e certas alianças "pela governabilidade". Alguém acredita nisso?
Texto de Ricardo Mendonça, na Folha de São Paulo.
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