Durante entrevista na Festa Literária Internacional de Paraty deste ano, Gilberto Gil criticou as "esbranquiçadas" arquibancadas dos estádios brasileiros em jogos da Copa das Confederações.
Poderia ter dito o mesmo sobre a plateia da Tenda dos Autores, para a qual ele e mais de 40 outros se apresentaram. A audiência da Flip lembra muito a dos eventos Fifa: classe média alta paulista, carioca, branca.
No ano passado, o escritor americano-nigeriano Teju Cole já havia mostrado seu espanto por ser um dos poucos negros presentes no evento literário, seja na plateia ou no palco --neste ano, aliás, Gil foi o único negro convidado da tenda principal.
Na Flip, como nas Copas por aqui, pobre e negro só aparece "como prestador de serviço", para citar uma quilombola que participou de um protesto em Paraty, anteontem.
Como lembrou outro dos convidados da festa literária, o mexicano Juan Pablo Villalobos, esse cenário é "um espelho do que é o Brasil".
O que falta ao país são mais eventos como a Flupp, a Festa Literária das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que acontece hoje e amanhã na Penha, zona norte do Rio. Nela, sete autores estrangeiros que estiveram em Paraty irão falar, gratuitamente, para o público de uma das áreas mais pobres e violentas da cidade --a UPP da Penha é daquelas que ainda não fazem jus a seu último P.
Quem viu a primeira edição da festa literária das favelas no ano passado, organizada com o apoio da Flip, pôde notar como a interação da plateia com os autores é tão viva quanto aquela vista em Paraty.
Não por acaso, o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, que assistiu à primeira Flupp, afirmou que o sucesso da pacificação depende tanto de eventos como este quanto da presença da polícia. Resta torcer pelo dia em que o público das duas festas se mesclará naturalmente, tanto nelas quanto nos estádios.
Texto de Marco Aurélio Canônico na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário