No início, o vício em comprimidos contra a dor foi considerado um problema masculino, uma epidemia nacional que começou entre os trabalhadores que fazem o trabalho árduo nas minas de carvão e nas fábricas da região dos Apalaches. No entanto, uma recente análise dos dados federais revelou que, nos últimos anos, as mortes entre as mulheres aumentaram muito mais rapidamente, tendo quintuplicado desde 1999.
O número de mortes por overdose de analgésicos como o OxyContin entre as mulheres é maior do que de câncer do colo do útero ou por homicídios. E apesar do número de mortes entre os homens ainda ser maior, as mulheres estão se aproximando, de acordo com a análise dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Além disso, o problema está atingindo mais as mulheres brancas do que as mulheres negras e mais as mulheres mais velhas do que as mais jovens.
Nesta cidade ribeirinha de Ohio, no noroeste dos Apalaches, as mulheres culpam as mudanças na sociedade americana. O surgimento das famílias de mães solteiras tem colocado imensa responsabilidade sobre as mulheres, que agora não são apenas mães, mas também, em muitos casos, as principais provedoras. Algumas descrevem um sentimento de opressão por suas responsabilidades e dizem sentir necessidade da sensação de dormência que as drogas trazem. Outras disseram que as drogas as fazem se sentir bonitas, fortes e produtivas, uma pausa bem-vinda ao caos de suas vidas.
"Eu achava que era uma supermãe", disse Crystal D. Steele, de 42 anos, que foi viciada e está em recuperação. Ela contou que começou a tomar o remédio para uma dor nas costas que desenvolveu trabalhando em uma loja da Kentucky Fried Chicken. "Eu levava um filho para o futebol, o outro para baseball. Eu ia trabalhar, lavava o carro, limpava a casa. Eu nem sabia que eu tinha um problema."
Steele, que hoje é atendida pelo centro de reabilitação da cidade, lembra-se que, quando trabalhava em um serviço de atendimento para uma funerária local, recebeu várias ligações por mortes de colegas de escola. Ela contou cerca de 50 mulheres que conhecera que morreram devido ao uso da droga. Ela acredita que, se não tivesse passado 40 dias na cadeia por roubar analgésicos, estaria entre elas.
"Eu me sentia como se tivesse vendido minha alma em algum lugar ao longo do caminho", disse Steele, cujo pai era alcoólatra e agressivo. "Eu não achava que merecia uma segunda chance. Eu achava que meus filhos estariam em melhor situação sem mim."
Durante anos, as mortes por overdose nos Estados Unidos foram consideradas um problema urbano que atingia mais duramente os negros. Mas o vício em opiáceos, que explodiu nas décadas de 1990 e 2000 e incluiu drogas como OxyContin, Vicodin e Percocet, foi pior entre os brancos, muitas vezes em zonas rurais. A análise dos CDC descobriu que a taxa de morte por overdose entre negros, em 2010, o ano mais recente para o qual há dados finais, foi menos da metade da taxa entre os brancos. Asiáticos e hispânicos tiveram as menores taxas. Alguns pesquisadores acreditam que a epidemia contribuiu para um declínio acentuado na expectativa de vida entre as mulheres brancas menos educadas do país.
De acordo com o relatório, 6.631 mulheres morreram por overdose de opiáceos em 2010, em comparação com 10.020 homens.
Enquanto as mulheres mais jovens, na faixa dos 20 e 30 anos, tendem a ter as taxas mais elevadas de abuso de opiáceos, a taxa de morte por overdose foi maior entre as mais velhas, com idades entre 45 a 54 anos, uma descoberta que surpreendeu os médicos. A faixa indica que pelo menos uma parte das drogas pode ter sido receitada de forma adequada para a dor, disse em entrevista a diretora do Instituto Nacional de Abuso de Drogas, Nora Volkow. Se as mortes fossem provocadas apenas por casos de abuso, então seria de esperar que as taxas de mortalidade fossem maiores entre as mulheres mais jovens, que são as que mais abusam das drogas.
"A faixa etária nos fez pensar", disse ela. "Nós não podemos simplesmente ignorar a noção de que muitas mortes podem ter sido provocadas por medicamentos devidamente receitados para a dor."
As mortes entre as mulheres vêm crescendo há algum tempo, mas Thomas R. Frieden, diretor dos CDC, disse que o problema tinha passado praticamente despercebido. O estudo ofereceu várias teorias para o aumento. As mulheres têm maior propensão a receberem receitas para os remédios contra a dor, a usá-los cronicamente e a obterem receitas com doses mais elevadas.
Os autores do estudo chamaram a atenção para o fato das formas mais comuns de dor crônica, como a fibromialgia, serem mais comuns entre as mulheres e consideram que isso pode ser uma explicação. A mulher também tem uma massa corporal menor do que o homem, o que facilita a overdose.
Outro fator é o fato das mulheres tomarem mais medicamentos psicoterápicos, como antidepressivos e medicamentos contra a ansiedade, disse Volkow. Isso é significativo porque as pessoas que morrem de overdose comumente tomam uma combinação desses medicamentos com analgésicos.
Aspectos sociais mais amplos, como o desemprego e o avanço de famílias monoparentais e seus estresses associados também podem ter contribuído para o aumento do abuso das drogas. Entretanto, segundo Volkow, esses aspectos se desenvolvem mais lentamente e portanto é improvável que sejam uma explicação direta para a tendência observada.
Stella Collins, que dirige as sessões de terapia de grupo no centro de reabilitação, viu famílias inteiras que perderam suas mulheres. Suas pacientes, na maioria pobres, se sentem presas, disse ela. Elas tentam sobreviver com salários minúsculos. Muitas não recebem apoio financeiro dos pais de seus filhos e vêm de famílias com histórico de abuso de álcool ou drogas. Seus sentimentos de inadequação e vergonha por não cuidarem adequadamente de seus filhos ajudam a promover seus vícios, disse ela.
"Pobreza é depressão, é fracasso, é tristeza, é baixa autoestima", disse Collins, cuja mãe, viciada, morreu de um ataque cardíaco aos 56 anos depois de gastar o dinheiro dos remédios para o coração em analgésicos. "Essas mulheres estão enclausuradas, emocionalmente e financeiramente".
Mas algumas também lutam e se recuperam.
Kathy Newman, 35 anos, que começou a usar os comprimidos em seus 20 anos, depois que sua irmã mais velha teve uma overdose, e cujo filho mais velho nasceu viciado, está livre de drogas há dois anos. Ela agora faz aulas e viaja por todo o município para contar a sua história nas escolas.
Para Steele, a imagem mais motivadora foi o rosto do filho de 12 anos coberto de lágrimas, olhando para ela através do vidro da área de visitas da prisão. Seu filho mais velho hoje tem a custódia do menor.
"Era como seu eu tivesse chegado a uma placa grande que dizia para eu parar, e pensei, 'OK, qual o caminho você vai tomar?'", disse ela.
Portsmouth trabalhou duro para combater o vício. O acesso fácil acesso aos analgésicos foi fechado. Mães de viciados mortos dão palestras em escolas. E apesar do índice de mortos por overdose em Ohio ainda estar subindo, como o índice nacional, a taxa de mortos no condado de Scioto County, onde fica Portsmouth, tem diminuído nos últimos anos, de acordo com o departamento de saúde da cidade.
Collins trabalha com mulheres em sessões em grupo, para que voltem a gostar de si mesmas.
"Vê-las morrer é a parte mais difícil", disse Collins. "Você se senta nesta sala e não sabe quem é que vai conseguir vencer".
Reportagem de Sabrina Tavernise, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Deborah Weinberg
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