Está nas melhores casas do ramo meu livro “Jango, a vida e a morte no
exílio” (L&PM). Olho o volume sobre a minha mesa e quase não
acredito. Eu o fiz. Quase fui consumido por esse trabalho de três anos
de pesquisa, mais de dez mil páginas de documentos lidas, entrevistas,
viagens, encontros com quem conviveu com Jango, visitas a prisões de
alta segurança, o ponto de vista da família, longas conversas com
Christopher, neto do presidente deposto pelo golpe militar, tudo, uma
montanha de dados.
Ao longo da pesquisa, firmei minhas convicções: Jango foi um herói
que teve a grandeza de não jogar o Brasil numa guerra civil. Foi também
um reformista de visão derrubado porque estava fazendo o Brasil correr
um grande perigo: ser melhorado quando a oligarquia ainda se sentia
forte para sugá-lo durante mais algumas décadas. A reforma agrária, mais
do que tudo, derrubou João Goulart. Ela serviu de estopim para a ação
orquestrada e financiada pelos norte-americanos. Jango quis completar o
trabalho de Getúlio levando a legislação trabalhista para o campo. As
suas reformas de base eram tão progressistas e necessárias que
apavoraram as elites retrógradas do país, que encontraram na ameaça
comunista disseminada pela propaganda americana o fator de mobilização
da mídia e da classe média para destituir o governo, não pelo que tinha
de ruim, mas pelo que poderia vir a fazer de bom.
Historiador vive de documentos. Eu mergulhei numa tonelada deles,
muitos ainda mantidos longe dos olhos dos brasileiros. Pude, por
exemplo, ler a íntegra do processo da justiça argentina que, em 1982,
investigou o desaparecimento de Jango como “morte duvidosa”. Andei atrás
da alma de Jango. Trabalhei até ficar exausto. Tirei das minhas
entranhas um livro que me toca profundamente, pois revela um Brasil que
ainda se quer esconder. O cortejo de horrores da ditadura não esperou
1968 para se instalar. Começou no próprio dia do golpe. A imprensa
embarcou na sinistra aventura.
Jornalistas que hoje se exibem como campeões da resistência publicaram textos de adesão, de entusiasmo e até de deslumbramento.
Completo um ciclo de vida e de pesquisa: Revolução Farroupilha, 1930,
Getúlio, Brizola e a Legalidade, Jango, o golpe, o exílio e a morte.
Fui buscar a resposta para a grande questão: Jango foi assassinado?
Esmiucei as duas fontes principais que servem de base para essa
suspeita: dois uruguaios, Foch Diaz e Mario Neira Barreiro. Mostro como
este último dá continuidade à denúncia do primeiro. Estabeleço os
vínculos, os nexos, as rupturas, os elos das narrativas. Fiel ao método
de pesquisa que me é caro e que aprendi em dois anos e meio seguindo, na
França, o seminário do filósofo Jacques Derrida, a desconstrução,
apresento minhas conclusões.
Deixo a porta aberta para a surpresa.
Afinal, a exumação dos restos mortais de Jango poderá me desmentir.
Mas, com os dados que levantei, ouso afirmar: havia certamente projetos
para matar Jango, ou o desejo de se fazer isso, mas tudo indica que ele
não foi assassinado. Faltou tempo. Um ataque cardíaco roubou-o aos
assassinos.
Do Blog do Juremir Machado da Silva.
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