Em janeiro de 2011, quando assumiu o cargo, a nova presidente começou retirando o crucifixo pendurado na parede de seu gabinete e moveu o exemplar da Bíblia para outra sala. Ela pediu a seus ministros que não usassem mais expressões como "acho", "espero" ou "talvez". E marcou sua primeira reunião de gabinete para uma sexta-feira ao meio-dia, horário em que os funcionários públicos de Brasília costumam já ter voltado para casa.
Dilma Rousseff, a presidente do Brasil e primeira mulher no cargo, estava então no auge das pesquisas. Herdeira escolhida de Luiz Inácio Lula da Silva, aquela que acabava de conquistar seu primeiríssimo mandato eletivo chegou a se dar ao luxo, nos meses seguintes, de ultrapassar seu mentor em popularidade. Com a ajuda de uma equipe de assessores de comunicação, seus discursos foram melhorando. Sua "seriedade", sua "sobriedade", a imagem de mulher competente, severa com seus colaboradores, eficiente na gestão das questões públicas pareciam fazer maravilhas, mesmo entre seus detratores.
Com 65% de opiniões favoráveis no final de março de 2013, Dilma Rousseff tinha uma das popularidades mais altas do Ocidente. Ainda no início de junho, alguns dias antes do início da revolta social que tomou conta do país, ela chegou a 57%, apesar dos primeiros efeitos da alta dos preços. Depois veio a queda, brutal, em uma degringolada irreprimível. Segundo pesquisa do Datafolha de 29 de junho, somente 30% consideram sua gestão "boa" ou "ótima". Uma queda de 27 pontos em três semanas, a mais brusca já observada desde o fim da ditadura, em 1985.
Prisioneira de um sistema político minado pela corrupção
Ainda que os protestos das últimas semanas não fossem contra ela pessoalmente – com raras exceções - , Dilma Rousseff não foi poupada pelos manifestantes, que criticam os privilégios das elites e a corrupção dos políticos. O movimento de protestos de repente colocou em evidência a lacuna entre as ambições demonstradas pela presidente e os meios de realizá-las. Apesar de ter demitido seis ministros por suspeita de improbidade, a presidente aparece como prisioneira de um sistema político minado pela corrupção e pela impunidade e que, consequentemente, é questionado em seu modo de funcionamento.
Quando a presidente foi assistir à partida de abertura da Copa das Confederações em Brasília, no dia 15 de junho, dois dias após a intervenção brutal das forças policiais de São Paulo contra uma pequena manifestação, acontecimento que deu início à mobilização popular, ela ficou furiosa com os organizadores da área VIP. Os garçons se preparavam para servir caviar e champanhe. O bufê foi rapidamente substituído por pipoca. Tarde demais. Nas arquibancadas, a presidente foi vaiada antes mesmo de poder discursar. E Elio Gaspari, famoso editorialista, autor de uma obra de destaque sobre a ditadura, concluiu: "No Brasil de hoje, há caviar demais para a elite – e o público percebeu."
Depois de dois anos e meio à frente do governo, de encarnação da renovação na política Dilma Rousseff passou a ser o bode expiatório, alvo do desencantamento e do repúdio. Como se sua personalidade complexa e reservada estivesse pagando o preço de uma convulsão social inédita, um movimento que tem suas raízes nas águas turbulentas da história dessa jovem democracia de gestão política engessada há muitos e muitos anos.
"Joana d'Arc da subversão"
Filha de um imigrante búlgaro advogado e comunista, a estudante idealista de então se engajou na luta armada contra a ordem estabelecida pelos chefes da junta. No final dos anos 1960, com seu segundo marido, também militante, ela viveu escondida, transportou armas e dinheiro roubado. Muito rapidamente, ela se tornou um dos cérebros de sua organização, a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, e ganhou o apelido de "Joana d'Arc da subversão".
Capturada em 1970, ela foi presa por três anos e torturada durante 22 dias. Como não gosta muito de entrevistas, ela raramente fala sobre seu passado, repetindo simplesmente que "lutou para ajudar a mudar o Brasil" e que ela "mudou junto com ele". Com este detalhe, dado à "Folha de São Paulo": "Quando falo sobre aqueles anos hoje, tenho a impressão de não ser a mesma pessoa". Ela explica que nunca esteve pessoalmente envolvida em nenhuma ação violenta.
Formada em economia, Dilma escolheu em 1979 o Partido Democrático do Trabalho (PDT), do impetuoso líder de esquerda Leonel Brizola. Em Porto Alegre, ela entrou em uma agência do Estado do Rio Grande do Sul antes de galgar degraus até se tornar secretária de Estado para a Energia. Lá, ela conheceu Lula, que a incluiu em sua equipe.
Dilma só foi entrar para o Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda) em 2000, vinte anos após sua fundação. Mas, muito rapidamente, seus métodos de trabalho, seu gosto pelo detalhe impressionaram seu líder. Como ministra das Energias em seu primeiro mandato, teve sucesso onde o ex-chefe do Estado, Fernando Henrique Cardoso, falhou: ela conseguiu acabar com os frequentes cortes de energia que o país sofria.
Ela, que em 2005 foi encarregada da Casa Civil, adquiriu a reputação de "dama de ferro", obstinada, escrupulosa e autoritária. Após o afastamento de vários pesos-pesados do PT, entre eles José Dirceu, envolvidos em um escândalo de corrupção, Lula ficou sem herdeiros naturais. A escolha de Dilma lhe pareceu clara.
Seu primeiro ano no palácio presidencial do Planalto revelou suas capacidades de resistência política. A prontidão com a qual Dilma demitiu seus ministros fortaleceu sua imagem. O lançamento do ambicioso programa de um "Brasil sem miséria" passava a ideia de uma vontade real de redistribuição de riquezas.
O ano de 2012 de repente a colocou sob pressão. Com dificuldades, o PIB do país cresceu 0,9%. Os resultados econômicos foram fracos, apesar de seu intervencionismo (diminuição do custo da eletricidade, estabilidade do preço dos combustíveis) e de seus gigantescos planos de investimentos, públicos e privados.
O PT também tem dado sinais de esgotamento. Ele está há dez anos no poder, e há quase o mesmo tanto sofrendo com o caso do Mensalão, um amplo sistema de compra de votos no Congresso, julgado durante semanas pelo Supremo Tribunal de Brasília, ainda em 2012.
Ninguém imagina uma Dilma Rousseff envolvida em corrupção. Ela a combate com mais ardor do que qualquer um de seus antecessores. No entanto, Dilma trabalhou com a maior parte dos políticos acusados. É possível que ela não soubesse, antes de nomeá-lo ao governo, que Antonio Palocci havia aumentado seu patrimônio em vinte vezes quando ele foi deputado federal?
Uma vontade obsessiva de querer controlar tudo
O fato de ela ter adiado ou desistido de começar os trabalhos da reforma agrária, do sistema eleitoral e da saúde, outrora bandeiras do PT, também gerou incertezas. Seu "gerenciamento", seu gosto pelo centralismo, sua vontade obsessiva de querer controlar tudo eram preocupantes. Durante uma sessão de trabalho dedicada aos setores de emergência dos hospitais, Dilma interrompeu subitamente a reunião depois de observar em um monitor de vídeo uma mulher em uma sala de espera. Ela estava sentada ali há vários minutos e a presidente queria saber por quê... Uma vez que conseguiu a informação – a pessoa estava esperando sua família vir buscá-la - , a presidente retomou a discussão, como se nada tivesse acontecido.
"É próprio dos jovens se manifestarem"
No avião presidencial, dizem que é frequente ela intervir na cabine de pilotagem em caso de intempéries, exigindo que acelerem ou mudem de direção. Dilma não gosta de turbulências. Tampouco gosta de delegar. Assim, demorou em inúmeras decisões: três meses para indicar um juiz para o Supremo Tribunal e quase um ano para nomear o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Seu orgulho é de ter seguido a política implantada por Lula e acentuado sensivelmente seu combate à miséria. Ela gosta de repetir que "o importante é transformar o país e ampliar a classe média". Mas não há como fugir dos números. No final de 2012, o Brasil continuava tendo um dos piores desempenhos da América Latina em termos de distribuição de renda. A dívida pode ter passado de 57% em 2003 para 40% nos últimos anos, mas ela continua elevada em comparação com outras economias emergentes, imensa mesmo em um orçamento federal que dedica somente 2% à educação, 4% à saúde, 0,7% aos transportes, três dos setores que concentram as reivindicações dos manifestantes. Ainda mais pelo fato de que essa mesma dívida pertence a cerca de 20 mil grandes famílias: esse famoso "caviar" mencionado por Gaspari.
Enquanto a revolta social começava a ganhar voz, Dilma Rousseff permaneceu calada. Não há como saber se a loquacidade de um Lula teria permitido reverter o movimento, mas a presidente apareceu enclausurada em seu palácio de vidro e concreto. Ela levou cinco dias para fazer, no dia 17 de junho, um primeiro comunicado. "É próprio dos jovens se manifestarem", ela escreveu, de maneira conciliadora. Em seu discurso à nação, quatro dias depois, a chefe do Estado se comprometeu a "ouvir as vozes do povo".
Resta a aposta audaciosa e ambiciosa da reforma do sistema político que ela prometeu fazer através de referendo antes da eleição presidencial de 2014, uma questão que nenhum presidente antes dela se atreveu sequer a olhar. O movimento de protestos populares a levou a isso, ou quem sabe até a ajudou. Está aí sua saída. O futuro democrático do Brasil depende disso, é o que provavelmente a jovem Dilma de trinta anos atrás teria clamado. Ou melhor dizendo, hoje é sua sobrevivência política que depende disso.
Texto de Nicolas Bourcier, para o Le Monde, reproduzido no UOL.
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