Reação brasileira à espionagem é antiquada
Leis que tratam dos direitos dos internautas estão paradas, e a Anatel também adota sistemas de vigilânciaBrasil tem
Com as tecnologias de comunicação e informação se tornando cada vez mais território para ações militares e de segurança, entramos de vez na era da paranoia.
Antes do escândalo de espionagem dos Estados Unidos, empresas chinesas como a Huawei já lidavam com acusações de conectar seus sistemas ao governo do país (a empresa nega as acusações).
Só que agora os EUA foram pegos em situação esquizofrênica. O país defende no plano internacional uma internet livre e aberta. Só que punha em prática um esquema de vigilância que ignora direitos fundamentais, a começar pela privacidade.
A reação ao se descobrir que o Brasil foi um dos alvos foi rápida. A presidente Dilma afirmou ter havido violação à soberania nacional.
Reação forte, mas antiquada. O tema vai além da soberania. A regulação da rede passa não só por governos, mas por empresas privadas, sociedade civil e uma complicada rede de relações entre leis nacionais e organismos internacionais. A internet ilustra a complexidade regulatória deste século, em que o Estado é só um dos atores.
A questão requer maior sofisticação. As leis brasileiras estão despreparadas para lidar com o tema dos direitos fundamentais na rede.
O Marco Civil da Internet, que trata diretamente do tema, vai completar dois anos no Congresso em agosto. A lei de proteção a dados pessoais está perdida nos corredores da Casa Civil.
Com isso, vão surgindo sintomas da mesma esquizofrenia que assolou os EUA. O mesmo governo que repele a ação dos americanos adota medidas similares por meio da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
A agência criou um sistema que permite acessar os registros de todas as ligações telefônicas feitas no país.
Passou a obrigar provedores a guardar os registros de acesso de todos os usuários para fins "criminais". E está propondo nesta semana (por coincidência) norma que obriga empresas de telefonia a revelar à polícia a localização exata de qualquer usuário de celular, imediatamente e por mera solicitação, sem o controle do Jjudiciário.
Não deveriam ser essas questões tratadas pelo Congresso? De onde vem a atribuição da Anatel para "legislar" sobre esses temas? Como lidar com a contradição entre o discurso libertário do governo e a prática exorbitante da agência?
São perguntas que demonstram a dificuldade dos Estados em lidar de forma coerente com essas questões. Os EUA perderam a bandeira da defesa da liberdade na internet. Ao que tudo indica, não parece ser o Brasil que irá herdá-la.
Reprodução da Folha de São Paulo.
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