quinta-feira, 18 de julho de 2013

O problema é o crescimento

A pressão política em torno da inflação está se saindo vitoriosa. O Banco Central tem subido os juros desde abril e um novo aperto fiscal está sendo aprontado, ainda que a relação dívida pública/PIB esteja em modestos 35% pelo conceito líquido e 60% pelo indicador bruto, além de o deficit fiscal nominal ter sido, em 2012, de 2,5% do PIB, baixo para o padrão internacional.
Algo mudou em relação a agosto de 2011, quando o BC reduziu a taxa de juros, contrariando a expectativa do mercado, que, mesmo com a estagnação externa batendo à porta, apostava numa elevação em razão da "inflação preocupante".
Muitos dizem que o problema é a inflação "resistentemente alta". No entanto, a estimativa do IPCA para 2013, segundo a mediana dos "top 5" do boletim Focus do dia 12, é de 5,73%. Em 5 de abril, antes de o BC começar a subir os juros, tal estimativa era ligeiramente superior, 5,77%.
A inflação esperada para 2013 e o IPCA do ano passado (5,84%) estão dentro do padrão que vigora desde 1999, quando o câmbio passou a flutuar: em 15 anos, só em três (2006, 2007 e 2009) a inflação foi menor que tais valores; em 2005, o IPCA de 5,7% foi bem próximo deles.
A diferença é que nos últimos anos o crescimento real do PIB --2,73% em 2011, 0,87% em 2012 e a estimativa do Focus de 2,31% para este ano-- são os menores nos dez anos desde a retomada do crescimento sustentado, em 2004, com exceção de 2009 (-0,33%), quando a crise internacional atingiu o Brasil em cheio.
Portanto, diferentemente do que diz o senso comum, o problema atual não é a inflação, que estaria corroendo a renda real (descontada a inflação) da população. Mas, sim, o crescimento econômico fraco, que ameaça a trajetória de ganhos reais dos salários e o pleno emprego herdados do período anterior.
O país tem crescido pouco porque houve recrudescimento da crise externa em 2011 e a política fiscal não atuou suficientemente para fazer a demanda doméstica compensá-la. Houve um certo afrouxamento fiscal, mas em boa medida ligado às desonerações tributárias, que não têm impacto direto sobre a demanda.
Com câmbio menos valorizado e reservas internacionais elevadas, o Brasil nem precisa temer problemas de balanço de pagamentos: um aumento do gasto público seria capaz de propiciar a retomada do crescimento sustentado baseado no mercado interno, alavancando investimentos e ganhos de produtividade.
Isso exige romper com a receita convencional, que prega aperto fiscal, mesmo com as contas públicas ajustadas, e elevação de juros, evocando critérios artificiais ou fora de contexto, como o superavit primário e o regime de metas de inflação.
Uma boa questão é por que essa receita prevalece se o crescimento beneficia não só aos assalariados mas a todos, incluindo banqueiros e empresários, que aumentam seus lucros. Claro, há divergências no entendimento da economia. Porém uma resposta mais pragmática talvez venha da constatação de que o ciclo de crescimento de 2004 a 2010 levou o país ao pleno emprego.
O economista polonês Michael Kalecki trata dessa questão em um texto clássico de 1944, chamado "Aspectos políticos do pleno emprego", em que aponta três razões para que as elites capitalistas se oponham ao uso da política fiscal visando a manter um pleno emprego continuado.
Primeiro, sob um modelo liberal, o nível de emprego depende sobremaneira do investimento privado, o que dá grande poder aos empresários, obrigando o governo a evitar iniciativas que abalem a confiança e as expectativas do mercado.
Segundo, os capitalistas desejam manter a atuação do governo restrita a atividades --como educação e saúde-- que não concorram com os negócios privados. Porém, uma política ativa de gasto público pode exigir entrar em novas esferas de investimento. Por exemplo, criar estatais é tido como ruim por definição.
Por fim, um pleno emprego prolongado causa mudanças políticas e sociais que grande parte da elite não deseja: por exemplo, mesmo com lucros maiores, crescerá a tensão em torno das negociações salariais. Uma renda mais bem distribuída afeta a hierarquia social vigente. O incômodo com os novos direitos das domésticas ou com a movimentação nos aeroportos lembra alguma coisa?
A perseguição da meta central de inflação neste momento de perda de ritmo econômico significa provocar recessão e desemprego...


Texto de Marcelo Miterhof publicado na Folha de São Paulo.

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