Tiro algumas conclusões sobre os protestos que tomaram o país neste inverno do nosso descontentamento, como diria o Will Shakes:
1) Consigo resistir à enorme tentação de subestimar o marqueteiro do PT, João Santana, mesmo depois de ver Dilma diante das câmeras balançando feito coqueiro ao vento; das medidas espetaculosas e de saber que a presidente é aconselhada por luminares como Ideli Salvatti. Tenho por mim que deva haver um ardil muito bem urdido por trás de tanto foguetório mal disparado. Isso tudo só pode ser manobra para distrair o adversário.
2) Greve de médico na av. Paulista vem a ser o melhor local para arrumar uma consulta grátis para tratar de dores na lombar e/ou arranjar um marido muito do bom partido. Ao menos é o que garante minha tresloucada amiga Bucicleide.
3) Velhos hábitos custam a morrer. Renan Calheiros e Henrique Alves parecem dois tabagistas obrigados a largar o cigarro diante da novidade de ter de abrir mão de avião da alegria pago com o nosso tutu. É difícil abandonar o vício, mas é isso ou a danação, né, não?
4) Quando nosso Yoda do Maranhão, José Sarney, jedi desde 1964, afirma que Joaquim Barbosa será candidato, é porque está na hora de pegar carona num avião da FAB de partida para a Namíbia, Mali ou qualquer outro país de grande importância estratégica com o qual o Brasil se relacione.
5) Falar das qualidades ou deméritos da democracia representativa antes mesmo de refletir sobre valores e o papel que o mercado e o indivíduo têm na degradação da vida política nacional só pode ser coisa de imediatistas e oportunistas que não se dão conta do empenho que a construção de vida democrática tem exigido nos últimos 25 anos.
Nas páginas amarelas de "Veja" desta semana, por algum motivo misterioso, surge um entrevistado descrito como "A voz que emergiu das ruas". A mim, mais parece um "parvenu", um paraquedista com tanta legitimidade quanto meu defunto cão Pacheco Pafúncio (que se orgulhava de ostentar 450 seguidores no Twitter).
O rapaz, aparentemente carioca, de 31 anos (peço perdão pela minha paranoia pós-manifestação, impregnada de teorias conspiratórias, mas, afinal, sou brasileira, com muito orgulho etc.) com aparência de modelo de comercial de carro 1.0 afirma ter criado há três meses uma página na internet que já tem 800 seguidores. Diz que gastou até agora R$ 400 com cartolina e um megafone. Segundo a "Veja", seu movimento, União contra a Corrupção, mobilizou 4.000 na Candelária. Mas ele admite que nunca gostou de política. "Não entendia porque era tão importante. O que deu o clique foi minha primeira viagem aos EUA no fim do ano passado."
Pois é, e, de repente, ele agora tem opinião sobre tudo, está politizado até o último fio de cabelo, conhece toda a trajetória de Marina Silva, discursa sobre reforma tributária, fala com desenvoltura sobre voto distrital e o peso do Estado no nosso bolso. Camarada é um azougue tão tremendo que em seis meses foi da mais completa ignorância política para as páginas amarelas de "Veja".
Daqui a pouco, camarada é capaz de pedir que a "ordem" presente na bandeira seja restabelecida nas ruas --será? Pois é! Esqueci de mencionar. Em resposta à pergunta "Há algum líder brasileiro que o senhor admire?", o cidadão, que se diz contra a participação de partidos nas manifestações, como se democracia plena prescindisse de grupos organizados em marchas populares, responde transbordando de cidadania: "Respeito a postura do ministro Joaquim Barbosa".
Da coluna de Bárbara Gancia, na Folha de São Paulo.
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