Dilma Rousseff comprou briga com um pedaço grande da elite brasileira, os médicos, suas famílias, simpatizantes e parentes. Ou assim parece provável.
A maioria das associações de médicos está enfurecida com a história do plano de imigração; parte parece irritada com o serviço obrigatório no SUS para recém-graduados. Mas a gente ainda não tem como saber como pensam os 400 mil médicos do país a respeito das medicinas da doutora Dilma.
Preste-se, porém, atenção: trata-se de 400 mil médicos, além de seus próximos. Trata-se de uma elite em termos políticos ou pelo menos associativos; de gente muito mais educada que a média; de gente que, de um modo ou outro, por motivos profissionais, envolve-se em debate ou conversas sobre políticas públicas (saúde).
Trata-se, enfim, de uma elite econômica (que está longe de ser apenas os banqueiros de charuto dos cartuns ou os ricos de novelas, que tomam cafés da manhã com mesas transbordantes e serviçais em volta). O salário médio dos médicos os coloca entre os 2% mais ricos da população.
E daí? Há mais de 190 milhões de pessoas nesta terra. Médicos não farão uma revolução na ruas, armados de bisturis e bombas de gases anestésicos.
E daí, pois? Daí que a "revolta das elites" ganhou mais um empurrãozinho. Apesar do desdém com o conceito de fato precário e mesmo cafona de "formadores de opinião", muita vez o mal-estar ou tumulto políticos começa, é definido ou redefinido por essa "massa de elite", que tem mais informação, recursos políticos e informacionais, articulação com poderes públicos e privados etc.
Eram os "mais ricos" os mais insatisfeitos com os governos do PT e de Dilma Rousseff. Nesses anos, a renda média subiu menos e pouco para os 10% "mais ricos" do país. Foi entre eles que baixou primeiro a avaliação da presidente; foi entre eles que o prestígio de Dilma mais se aproximou do chão depois dos protestos de junho.
Nota: mais ricos significa quem ganha mais de dez salários mínimos, uns 2% da população; só em 8% das casas a renda é superior a dez salários. Sim, o Brasil é um lugar pobrinho, feio, sujo e malvado.
Trata-se de palpite, um chute educado, mas quanto da "revolta das elites" se deveu à queda dos seus rendimentos financeiros ("fundos"), dada a queda dos juros?
Quão mais a vida deles piorou devido à alta do preço dos serviços (que consomem mais e determinam o destino social de seus filhos), como escolas caras, saúde privada, moradia (hiperinflacionadas)?
Talvez nem seja sarcástico dizer que muitas dessas pessoas se revoltam porque seus empregados domésticos foram em tese libertados formalmente da servidão, tendo agora direitos trabalhistas como os dos demais brasileiros (sempre em tese, sempre formalmente). A lei dos domésticos não foi coisa de Dilma, mas desse momento um tico mais democrático econômica e socialmente, os anos petistas.
Não, claro, não se está a dizer que médicos ou qualquer outro profissional liberal mais bem pago seja alérgico a processos civilizatórios nem que eles associem suas agruras a melhorias na vida dos mais pobres. Mas que a revolta é e era maior entre as elites, isso é e era.
Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo.
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