Biólogos rivais disputam explicação da monogamia
Análise com macacos atribui fidelidade sexual à prevenção do infanticídio
Para estudo evolutivo com mais mamíferos, porém, comportamento surge quando acesso a várias fêmeas é difícil
A última tentativa da biologia moderna de elucidar o paradoxo da monogamia --por que ser fiel a uma única parceira se a evolução favorece a promiscuidade?-- jogou mais dúvidas do que respostas sobre a questão. Os dois últimos estudos sobre o tema são contraditórios.
O primeiro deles é uma análise com 2.500 mamíferos. O trabalho indica que a monogamia surgiu em espécies nas quais as fêmeas vivem muito distantes umas das outras, e o comportamento promíscuo fica custoso para o macho. Já o segundo trabalho, que analisou 230 macacos, mostra que a fidelidade a uma única parceira surgiu para prevenir o infanticídio.
Ambos os estudos usaram métodos semelhantes para chegar às suas conclusões. Primeiro, fizeram uma reconstrução da árvore da vida dos mamíferos de todas as espécies analisadas, para saber quais eram mais próximas evolutivamente. Depois, usaram literatura científica existente para atribuir a cada uma delas diferentes comportamentos sociais --monogamia ou poligamia, solidão ou gregarismo etc.
Os cientistas estavam tentando descobrir por que apenas 9% das espécies de mamíferos são monogâmicas, enquanto mais de 90% dos pássaros exibem esse comportamento. Uma análise estatística deveria levar os dois estudos a uma conclusão similar, mas ocorreu o inverso.
"Quando fêmeas solitárias se distribuem num espaço amplo, machos em busca de oportunidades de acasalamento sofrem risco de ferimentos ou predação", afirmou Dieter Lukas, da Universidade de Cambridge, coautor do estudo mais abrangente com mamíferos, publicado na revista "Science". "Não vimos evidência de associação próxima entre monogamia e risco de infanticídio."
Christopher Opie, porém, do University College de Londres, enxerga o inverso ocorrendo entre macacos. "A origem da monogamia em primatas é mais bem explicada pelo longo período de lactação causado pela dependência para alimentação, tornando filhotes particularmente vulneráveis a machos infanticidas", escreveu o cientista em estudo na revista "PNAS".
Ao conversar com jornalistas ontem, cientistas pareciam surpresos ao saber da disparidade entre as conclusões dos estudos.
"Na nossa análise, obtivemos um sinal muito claro de que foi o infanticídio que levou à monogamia e não aquilo que Lukas está sugerindo", disse Opie à Folha. "Ao analisar tantas espécies de mamíferos, ele pode ter perdido esse efeito entre os primatas."
Os cientistas de Cambridge, porém, afirmam ter sido mais rigorosos do que Opie em suas análises estatísticas. "Uma razão para a disparidade pode ser o uso de maneiras diferentes para classificar as espécies", diz Tim Clutton-Brock, coautor de Lukas.
No estudo, classificar humanos como monógamos gerou discussão. "O que temos em humanos são casais que se associam, mas se encaixam dentro de grupos maiores. Não observamos isso em nenhum outro mamífero."
Outra explicação para a contradição entre os estudos é o tamanho da amostra, diz o cientista. "Em pequenos conjuntos de dados, é possível achar associações aleatórias que não aparecem nos grandes conjuntos."
Nenhum dos grupos de cientistas disse ter enxergado erros evidentes no estudo dos rivais, porém. A disputa acadêmica tende a continuar.
Reprodução da Folha de São Paulo.
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