Clássico de Cortázar é relançado aos 50
Obra maior de argentino, 'O Jogo da Amarelinha' ganha edição com cartas em que escritor fala sobre processo criativo
Romance, que segundo autor seria 'a crônica de uma loucura', precede celebrações pelos cem anos de seu nascimento
"Não é uma novela, mas sim um relato muito longo que definitivamente acabará sendo a crônica de uma loucura." Assim explicava Julio Cortázar (1914-1984) em uma carta a um amigo sobre seu romance "O Jogo da Amarelinha", enquanto o escrevia, em pleno verão europeu de 1960.
Aquela que seria sua principal obra, e uma das mais importantes do chamado "boom latino-americano", completa em 2013 exatos 50 anos de sua publicação.
Já em fevereiro de 2014 serão celebrados os cem anos do nascimento do autor. Entre uma efeméride e outra, o mercado editorial hispano-americano e os órgãos de cultura do governo argentino preparam uma série de exposições, relançamentos e reedições de suas principais obras.
É o caso da edição especial de "O Jogo da Amarelinha" que a Alfaguara argentina acaba de enviar às livrarias. Entre as novidades, contém as cartas de Cortázar que se referem ao "making of" do romance (e que incluem o texto mencionado acima).
No Brasil, também sairá uma edição comemorativa, pela Civilização Brasileira, acompanhada de outros relançamentos, como o de "Bestiário", desde 1960 fora de catálogo.
DEBATE
"O Jogo da Amarelinha" apresenta a história de um triângulo amoroso, mas não só. Se lido linearmente do capítulo 1 ao 56, trata-se de uma história. Se seguido de acordo com a leitura que propõe Cortázar, salteada a partir do capítulo 73, é outra.
"Os personagens não são o mais importante, e sim o rompimento com a estrutura e a relação com a linguagem. O livro é uma discussão sobre quantos mundos cabem na literatura, e sobre a literatura por si só", disse à Folha o editor espanhol Juan Cruz, um dos maiores especialistas em literatura hispano-americana.
Na Argentina, Cortázar tem tido sua obra reavaliada. Enquanto críticos como Damian Tabarovsky defendem que seu legado é superestimado, outros apontam o fato de ser central como referência para a produção contemporânea.
É comum que se faça um traçado direto de influências entre seu legado e o do escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003). "Assim como Cortázar, Bolaño rompeu com a estrutura narrativa e ofereceu uma alternativa a uma geração", diz Cruz.
O argentino, que nasceu na Bélgica e viveu em Paris, se identificava com "O Jogo da Amarelinha" mais do que com qualquer de suas obras.
"Há um gigantismo em Cortázar, que é físico. Como ele tinha uma síndrome hormonal que fazia com que não deixasse de crescer, por muito tempo em sua vida pareceu um adolescente. Assim é O Jogo da Amarelinha' também, um romance que, por sua forma aberta, interativa, não para de desenvolver-se", diz o editor brasileiro Sergio Molina.
Na Argentina, as comemorações alimentam um debate político. Como o autor era antiperonista convicto, a oposição ao governo kirchnerista o assume como alguém que hoje estaria a seu favor. Já os governistas apelam para seu lado de militante das causas esquerdistas latino-americanas, que incluiu um amplo apoio à Cuba revolucionária.
"É muito reducionista pensar Cortázar nesses termos. Sua importância, mais do que nada, é literária e cultural, nesse sentido é universal, vai muito além do debate argentino", diz o editor argentino Augusto Di Marco.
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