Fraude alimentar é vista como uma epidemia mundial
Por STEPHEN CASTLE e DOREEN CARVAJAL
GREAT DALBY, Reino Unido - Escondida nas profundezas do exuberante interior inglês, a fazenda Moscow parecia uma base improvável para uma quadrilha internacional.
Mas era lá que dezenas de milhares de litros de bebida falsificada eram destiladas e engarrafadas (com rótulos e selos fiscais quase idênticos aos de uma marca de vodca original), para servir mercadinhos de todo o país.
O escândalo em toda a Europa por causa do uso de carne de cavalo, mais barata, em produtos rotulados como bovinos foi o que mais chamou a atenção neste ano.
Mas investigadores e órgãos reguladores dizem que esse é apenas um exemplo do que vem ocorrendo nesta época de persistente crise econômica.
Os investigadores já descobriram milhares de fraudes. Os criminosos oferecem a consumidores ávidos por pechinchas versões baratas de produtos cotidianos, como chocolate falsificado e azeite de oliva adulterado.
"No mundo todo, a fraude alimentar é epidêmica", disse Mitchell Weinberg, da consultoria de segurança alimentar Inscatech. "Praticamente todo ingrediente que tenha valor econômico, por mais moderado que seja, está potencialmente vulnerável à fraude."
Cada vez mais, essas fraudes são obras de quadrilhas internacionais atraídas pela possibilidade de grandes lucros em negócios em que a maioria dos fraudadores jamais é apanhada.
Kevin Eddishaw falsificava bebidas em escala industrial, gerando lucros compatíveis com isso, segundo os investigadores, que estimaram a produção da sua destilaria em 165 mil garrafas, custando ao governo britânico US$ 2,3 milhões em evasão tributária. "Ele estava levando uma vida bastante agradável: um par de propriedades, carros legais etc.", disse Roddy Mackinnon, agente de investigação criminal da Receita e Alfândega de Sua Majestade.
Os membros das quadrilhas compravam as garrafas do mesmo fornecedor que atendia aos produtores reais da vodca Glen, dizendo que elas se se destinavam à Polônia. Os protótipos de rótulos impressos no Reino Unido foram considerados pouco convincentes, então outros, de maior qualidade, foram trazidos da Polônia.
A fábrica só foi detectada quando um suspeito de outro caso levou os investigadores até lá, em 2009. Eddishaw acabou sendo preso.
A Europol (agência policial da União Europeia) diz que grupos de crime organizado estão se aproveitando da crise econômica.
"Em resposta à redução do poder de compra do consumidor, os falsificadores ampliaram sua gama de produtos", disse um recente relatório da Europol.
Além da tradicional falsificação de produtos de luxo, as quadrilhas "agora também falsificam produtos de consumo diário, como detergentes, alimentos, cosméticos e produtos farmacêuticos".
Shaun Kennedy, da Universidade de Minnesota, estimou que 10% dos alimentos adquiridos por consumidores nos países desenvolvidos sejam adulterados.
Ele disse que a adulteração econômica e a falsificação de alimentos e produtos de consumo em nível global devem custar de US$ 10 a 15 bilhões por ano às indústrias.
Investigadores dizem que existe uma enorme gama de engodos. Os mais simples envolvem apresentar produtos baratos como sendo de marca ou de alta qualidade -como rotular o salmão de cativeiro como selvagem ou ovos de granja como orgânicos ou caipiras. Em outros casos, ingredientes mais baratos são adicionados a produtos genuínos para aumentar a margem de lucro. Às vezes, óleos vegetais são incorporados às barras de chocolate. Vinho, café, mel ou óleo de oliva também são adulterados com água, adoçantes ou substitutos mais baratos.
Sempre que há manipulação, surgem riscos potenciais para a saúde. Restaurantes indianos do Reino Unido já foram processados por acrescentarem amendoim moído à farinha de amêndoa, o que gera risco de alergias.
No ano passado, as autoridades francesas apreenderam numa operação de uma semana 90 toneladas de peixes, frutos do mar e coxas de rãs cujas origens estavam erroneamente rotuladas, uma tonelada de lascas de trufas falsificadas, falso queijo parmesão fabricado nos EUA e no Egito e bebidas de uma empresa holandesa sendo vendidas como tequila.
Mariscos pescados ilegalmente costumam ir parar nos mercados de peixes. Christopher Roe, fiscal de práticas comerciais em Londres, disse que muitos produtos falsificados vendidos convencionalmente aparecem em mercados e em pequenas mercearias.
"Se eles sabem ou não que é falsificado é algo discutível", disse Roe. Em se tratando de produtos falsificados, acrescentou, "quanto mais você procura, mais você sabe que vai achar".
Reportagem do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.
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