A Justiça obrigou a gravadora EMI a entregar a João Gilberto a posse das fitas masters de seus LPs "Chega de Saudade" (1959), "O Amor, o Sorriso e a Flor" (1960) e "João Gilberto" (1961) e do compacto duplo "Orfeu do Carnaval" (1959). Por causa de um entrave jurídico, o Brasil está há 20 anos impedido de ouvir essas gravações. O prejuízo cultural é incalculável, maior até do que qualquer consideração econômica.
A vitória de um artista isolado sobre uma multinacional deveria alertar os outros cantores, músicos e compositores brasileiros do passado (ou seus herdeiros e representantes) para a possibilidade de também reivindicar das gravadoras a posse de seus discos. E por que não, se está provado --como qualquer pesquisador ou historiador se prontificará a atestar-- que elas não têm nenhum interesse por esse material e nem sabem que ele existe?
Cantores como Aurora Miranda, Blecaute, Carlos José, Gilberto Alves, Gilberto Milfont, Luiz Claudio, Marilia Batista, Marisa ("Gata Mansa"), Odete Amaral, Orlandivo, Roberto Paiva, Rosana Toledo, Sonia Delfino, a dupla Joel e Gaúcho, o Trio Nagô, o Quatro Ases e Um Coringa, o Coral de Ouro Preto e muitos outros, vivos ou mortos, não têm seus discos lançados há 40 ou 50 anos. Nenhum deles jamais saiu em CD no Brasil.
O mesmo quanto a músicos como o saxofonista Booker Pittman, o acordeonista Chiquinho, o gaitista Edu, a violonista Rosinha de Valença, o violinista Fafá Lemos, os pianistas Gadé, Carolina Cardoso de Menezes, Tia Amélia, Fats Elpidio e Luiz Reis, os maestros Zaccarias, Carioca e Cipó, e muitos, muitos mais.
Para as multinacionais Universal, EMI, Sony e Warner, esse gigantesco catálogo nacional, sobre o qual estão sentadas e imóveis, já não significa nada. Para o Brasil, ele representa a sua memória musical e a própria história.
Texto de Ruy Castro, para a Folha de São Paulo.
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