"O livro pode transformar as pessoas", declara escritor mineiro Luiz Ruffato
Autor é uma das atrações da 6ª FestiPoa Literária que será iniciada na sexta-feira
A 6ª Festa Literária de Porto Alegre, Festpoa, está batendo à porta da capital gaúcha. Na sexta-feira, serão iniciados os trabalhos de um dos grandes eventos de literatura da cidade, às 18h30min, no Auditório Luís Cosme, da Casa de Cultura Mario Quintana (Andradas, 736, 4º andar). Fará parte do evento a "Missa para a Igreja do Livro Transformador", com o escritor mineiro de Cataguases radicado em São Paulo, Luiz Ruffato, de 52 anos. O ensinamento do autor, entrevistado pelo Correio do Povo, é: "O livro pode transformar as pessoas".
Ruffato é uma daquelas pessoas cujo destino destino seria de rotina e desesperança, pois veio de família pobre, de pai e mãe semianalfabetos, até que a leitura de um livro (Bábi Iar, de Anatoly Kusnetsov) aos 12 anos transformou a sua vida. O movimento da Igreja do Livro Transformador consiste em depoimentos de escritores e pessoas em geral sobre o livro que transformou suas vidas, em vídeos veiculados pelo youtube e redes sociais.
Também na sexta, 19h, no Auditório Luís Cosme, Ruffato participa de mesa com o escritor homenageado da FestiPoa Literária, Cristovão Tezza, e com o anfitrião Altair Martins. De 2001 a 2012, o escritor mostrou a preocupação em falar das figuras comuns da classe média baixa e seus destinos numa sociedade cada vez mais excludente, com obras do quilate da premiada "Eles Eram Muitos Cavalos", de 2001, e da série "Inferno Provisório", com cinco livros, o último publicado em 2012: "Domingos sem Deus". Em entrevista ao Correio do Povo, Ruffato fala de assuntos desde a transformação de uma pessoa pelo livro até sobre a amizade e admiração pelo homenageado Cristovão Tezza
Correio do Povo - Na FestiPoa Literária, a tua primeira atividade será a Missa para a Igreja do Livro Transformador. Esclareça-nos o que é este movimento.
Luiz Ruffato - Na verdade, toda esta ideia nasceu quase de uma brincadeira. Como participo muito de feiras e eventos literários, sempre conto a minha história, fui operário têxtil, torneiro mecânico, com pai e mãe emianalfabetos, nascido em Cataguases (MG) e o livro que transformou a minha vida aos 12 anos de idade foi "Bábi Iar", do russo, na época ucraniano, Anatoly Kusnetsov, que tratava do massacre de judeus pelos alemães durante a Segunda Guerra. O livro realmente transformou a minha vida e pode transformar as pessoas. Numa mesa em Curitiba, com o Rogério Pereira, do Rascunho, uma pessoa se apresentou, Emanuele, e resolveu fazer disto uma coisa série. Gravei o depoimento em Curitiba, que virou a sede mundial.
CP - No Brasil, o ambiente para o livro, a leitura e a literatura não é dos melhores?
Ruffato - Na verdade, no nosso país a destinação é quase sempre trágica. Algumas pessoas são privilegidas, pois acesso à saúde, educação e leitura são privilégios. Sobre a leitura, a elite sempre deixou claro que era uma exclusividade dela. Não é obrigatório que se goste de ler, mas que pelo menos se tenha o acesso. Na escola, o destino nunca foi o de se tornar um país de leitores. O professores de Português e de Línguas não gostam de literatura. A academia, as universidades, talvez gostem de teoria literária, mas nem sempre de literatura. Quando digo que leio 70 ou 80 livros por ano, as pessoas me olham como um extraterrestre.
CP - Quando é que foi lapidado o escritor em Luiz Ruffato?
Ruffato - A minha decisão de me tornar escritor é evidentemente política. O fato de eu desistir de ser torneiro mecânico com formação no Senai para fazer jornalismo foi considerado estranhíssimo no meu meio. Eu via na literatura brasileira uma temática ligada à globalidade no mundo rural, todas as classes sociais incluídas, os ricos, a burguesia, as classe médias alta e média e também os bandidos, proletariado, favelado estereotipado, mas a classe média baixa não existia na literatura brasileira. Era tão pouca gente escrevendo sobre o tema que mal dava para encher uma Kombi. Era quase uma obrigação minha e os meus oito livros de prosa, de ficção, trataram da classe média baixa, da pessoa comum, desesperançada, produto da saída do meio rural para o industrial da década de 50 do século XX para cá, que é a maioria da população brasileira.
CP - O que podes dizer do amigo e homenageado da FestiPoa Literária, Cristovão Tezza?
Ruffato - Na verdade, a gente é bem amigo. Na feiras e festivais literários, alguns escritores acabam se reunindo por grupos de afinidades. Gosto muito da obra do Tezza. Ele tem uma obra consistente do ponto de vista literário. A minha preocupação é entender a sociedade brasileira como um todo. Os personagens deles diferem dos meus. São personagens de classe média mas são muito bem resolvidos, têm uma visão bastante crítica da sociedade, só que por outro ângulo. Ele tem dois ou três livros absolutamente admiráveis. Cito "O Fantasma da Infância", como exemplo, e também os seus contos. É um dos caras que melhor trabalha com a autorreflexão em sua obra.
CP - Gostaria que você falasse da sua relação com Porto Alegre?
Ruffato - Eu tenho várias ligações. A primeira é evidente. Porto Alegre é a única cidade do país que eu moraria, fora São Paulo. Na cidade, você tem uma preocupação com o cidadão como poucas cidades no país. O transporte público, se não é o melhor, funciona. Tem um rio fantástico (o Guaíba). O índice de leitura é quase o dobro do resto do país. Tenho uma estatística minha que depois do Rio de Janeiro é o lugar que mais estuda e discute a minha obra, além de ter uma literatura exuberante. O livro "Os Ratos", de Dyonelio Machado é uma obra-prima, muito subestimada no Brasil.
CP - O que o forno de Ruffato prepara para os seus leitores?
Ruffato - O meu projeto literário até então foi muito claro, mas com "Domingos sem Deus" éu dei por encerrada esta fase. Estou trabalhando num projeto sob o título de "Flores Artificiais". É um conjunto de histórias, todas sendo ouvidas por um personagem (protagonista) em vários lugares do mundo. As duas únicas relações com o meu trabalho até então são o experimentalismo formal e a questão de pertencimento dos personagens. Eles estão todos deslocados no espaço - uma francesa em Buenos Aires, um inglês na África, um português em Angola e assim por diante.
Ruffato é uma daquelas pessoas cujo destino destino seria de rotina e desesperança, pois veio de família pobre, de pai e mãe semianalfabetos, até que a leitura de um livro (Bábi Iar, de Anatoly Kusnetsov) aos 12 anos transformou a sua vida. O movimento da Igreja do Livro Transformador consiste em depoimentos de escritores e pessoas em geral sobre o livro que transformou suas vidas, em vídeos veiculados pelo youtube e redes sociais.
Também na sexta, 19h, no Auditório Luís Cosme, Ruffato participa de mesa com o escritor homenageado da FestiPoa Literária, Cristovão Tezza, e com o anfitrião Altair Martins. De 2001 a 2012, o escritor mostrou a preocupação em falar das figuras comuns da classe média baixa e seus destinos numa sociedade cada vez mais excludente, com obras do quilate da premiada "Eles Eram Muitos Cavalos", de 2001, e da série "Inferno Provisório", com cinco livros, o último publicado em 2012: "Domingos sem Deus". Em entrevista ao Correio do Povo, Ruffato fala de assuntos desde a transformação de uma pessoa pelo livro até sobre a amizade e admiração pelo homenageado Cristovão Tezza
Correio do Povo - Na FestiPoa Literária, a tua primeira atividade será a Missa para a Igreja do Livro Transformador. Esclareça-nos o que é este movimento.
Luiz Ruffato - Na verdade, toda esta ideia nasceu quase de uma brincadeira. Como participo muito de feiras e eventos literários, sempre conto a minha história, fui operário têxtil, torneiro mecânico, com pai e mãe emianalfabetos, nascido em Cataguases (MG) e o livro que transformou a minha vida aos 12 anos de idade foi "Bábi Iar", do russo, na época ucraniano, Anatoly Kusnetsov, que tratava do massacre de judeus pelos alemães durante a Segunda Guerra. O livro realmente transformou a minha vida e pode transformar as pessoas. Numa mesa em Curitiba, com o Rogério Pereira, do Rascunho, uma pessoa se apresentou, Emanuele, e resolveu fazer disto uma coisa série. Gravei o depoimento em Curitiba, que virou a sede mundial.
CP - No Brasil, o ambiente para o livro, a leitura e a literatura não é dos melhores?
Ruffato - Na verdade, no nosso país a destinação é quase sempre trágica. Algumas pessoas são privilegidas, pois acesso à saúde, educação e leitura são privilégios. Sobre a leitura, a elite sempre deixou claro que era uma exclusividade dela. Não é obrigatório que se goste de ler, mas que pelo menos se tenha o acesso. Na escola, o destino nunca foi o de se tornar um país de leitores. O professores de Português e de Línguas não gostam de literatura. A academia, as universidades, talvez gostem de teoria literária, mas nem sempre de literatura. Quando digo que leio 70 ou 80 livros por ano, as pessoas me olham como um extraterrestre.
CP - Quando é que foi lapidado o escritor em Luiz Ruffato?
Ruffato - A minha decisão de me tornar escritor é evidentemente política. O fato de eu desistir de ser torneiro mecânico com formação no Senai para fazer jornalismo foi considerado estranhíssimo no meu meio. Eu via na literatura brasileira uma temática ligada à globalidade no mundo rural, todas as classes sociais incluídas, os ricos, a burguesia, as classe médias alta e média e também os bandidos, proletariado, favelado estereotipado, mas a classe média baixa não existia na literatura brasileira. Era tão pouca gente escrevendo sobre o tema que mal dava para encher uma Kombi. Era quase uma obrigação minha e os meus oito livros de prosa, de ficção, trataram da classe média baixa, da pessoa comum, desesperançada, produto da saída do meio rural para o industrial da década de 50 do século XX para cá, que é a maioria da população brasileira.
CP - O que podes dizer do amigo e homenageado da FestiPoa Literária, Cristovão Tezza?
Ruffato - Na verdade, a gente é bem amigo. Na feiras e festivais literários, alguns escritores acabam se reunindo por grupos de afinidades. Gosto muito da obra do Tezza. Ele tem uma obra consistente do ponto de vista literário. A minha preocupação é entender a sociedade brasileira como um todo. Os personagens deles diferem dos meus. São personagens de classe média mas são muito bem resolvidos, têm uma visão bastante crítica da sociedade, só que por outro ângulo. Ele tem dois ou três livros absolutamente admiráveis. Cito "O Fantasma da Infância", como exemplo, e também os seus contos. É um dos caras que melhor trabalha com a autorreflexão em sua obra.
CP - Gostaria que você falasse da sua relação com Porto Alegre?
Ruffato - Eu tenho várias ligações. A primeira é evidente. Porto Alegre é a única cidade do país que eu moraria, fora São Paulo. Na cidade, você tem uma preocupação com o cidadão como poucas cidades no país. O transporte público, se não é o melhor, funciona. Tem um rio fantástico (o Guaíba). O índice de leitura é quase o dobro do resto do país. Tenho uma estatística minha que depois do Rio de Janeiro é o lugar que mais estuda e discute a minha obra, além de ter uma literatura exuberante. O livro "Os Ratos", de Dyonelio Machado é uma obra-prima, muito subestimada no Brasil.
CP - O que o forno de Ruffato prepara para os seus leitores?
Ruffato - O meu projeto literário até então foi muito claro, mas com "Domingos sem Deus" éu dei por encerrada esta fase. Estou trabalhando num projeto sob o título de "Flores Artificiais". É um conjunto de histórias, todas sendo ouvidas por um personagem (protagonista) em vários lugares do mundo. As duas únicas relações com o meu trabalho até então são o experimentalismo formal e a questão de pertencimento dos personagens. Eles estão todos deslocados no espaço - uma francesa em Buenos Aires, um inglês na África, um português em Angola e assim por diante.
Do Correio do Povo.
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