Richard Linklater é conhecido por qualquer pessoa com trinta e muitos, quarenta e poucos. Em 1995, Linklater dirigia "Antes do Amanhecer", e não houve adolescente com atividade hormonal regular que não tenha suspirado com o encontro amoroso entre o americano Jesse (Ethan Hawke) e a francesa Céline (Julie Delpy).
Ambos viajam sozinhos pela Europa. Ambos se encontram na mesma carruagem de trem. Amor à primeira vista, ou qualquer coisa assim do gênero. E quando o trem para em Viena, ele a convida para descerem e visitarem a cidade nas últimas horas que lhe restam antes de regressar a casa. Ela diz que sim.
O filme era apenas isso: a consequência desse sim. Feita de caminhadas e conversas e caminhadas e conversas. Não sei se a minha nostalgia sobre o filme está associada à beleza demasiado real de Julie Delpy ou ao raro milagre de ver dois seres humanos a falarem a mesma linguagem, apesar de não partilharem a mesma língua nativa.
O que sei é que, antes do amanhecer, eles despedem-se (depois das intimidades) e prometem reencontrar-se. Na mesma estação de trem, seis meses depois.
Era assim que os adolescentes de 1995 deixavam a sala de cinema: invejando a sorte alheia (no meu caso, a sorte de Ethan Hawke, que atingiu patamares ofensivos com o casamento com Uma Thurman) e perguntando se aqueles dois voltariam a encontrar-se em Viena.
Linklater respondeu nove anos depois com "Antes do Pôr do Sol". Mudou de cidade, não mudou de dueto: o encontro foi em Paris. Ele, nove anos mais velho. Como eu. Como nós. E de passagem pela cidade para promover o primeiro livro.
Ela lê algures que ele estará numa livraria algures. Aparece de surpresa. É a primeira vez que se veem desde a passeata em Viena. Sabemos depois que ele esteve na estação, como prometido, e que foi ela quem faltou ao encontro. Ah, os homens, os incorrigíveis homens.
Mas nove anos são nove anos. Ele casou entretanto. E foi pai entretanto. Ela não, mas isso pouco interessa. Porque o cardápio é repetido: caminhadas e conversas e caminhadas e conversas. Passaram nove anos, mas é como se tivessem passado nove minutos. O tempo corre diferente quando é vivido pelos verdadeiros amantes.
E, antes do pôr do sol, quando ele sabe que tem um voo à espera, ela começa a dançar na sala o "Just in Time" por Nina Simone e o filme termina com uma nova pergunta: ele parte ou fica? Não, minto. Aos trinta anos, a pergunta já não era essa. Era outra. Será que esse idiota não vai ficar?
Sabemos agora que o idiota ficou, que ambos ficaram, porque Linklater decidiu encerrar a trilogia em 2013. Assisti a "Antes da Meia Noite" no IndieLisboa, o excelente festival de cinema independente português. E a reação instintiva seria lamentar o fim de todas as perguntas que sustentavam os filmes anteriores.
Aos quarenta anos, com duas filhas e quase uma década de conjugalidade em cima, Jesse e Céline estão na Grécia. Curiosa escolha: a Grécia é hoje o símbolo da crise europeia, e a relação do casal está pouco melhor que o país.
Como nos versos do poeta, há no olhar de ambos ironias e cansaços. Viena e Paris não resistiram aos encantos do Peloponeso nem às pequenas guerrilhas do cotidiano.
O que ele foi obrigado a prescindir por causa dela. O que ela foi obrigada a prescindir por causa dele. Um clássico: nada perturba tanto as vidas que vivemos como as vidas que não vivemos. O psicanalista Adam Phillips, em livro recente, explica.
Mas seria injusto condenarmos Jesse e Céline como se fosse possível ter sempre Viena e Paris. Até porque existe alguma beleza nas ruínas. Não porque as ruínas são a expressão tangível do que se teve e perdeu. Mas porque elas são a expressão tangível do que sobreviveu.
Vinte anos depois, Jesse e Céline são dois sobreviventes. Juntos, apesar de tudo. E, por entre as tristezas momentâneas, há um sol de fim de tarde onde é possível vislumbrar, e até escutar, a perfeita sintonia que começou lá atrás, em Viena, quando todos viajávamos estupidamente livres e felizes.
Pedir mais talvez fosse pedir o impossível. Porque, no fundo, no fundo, quem deseja que a vida seja uma adolescência permanente nunca deixou verdadeiramente a adolescência.
Texto de João Pereira Coutinho, na Folha de São Paulo.
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