Uso de dinheiro vivo predomina na China
Por DAVID BARBOZA
XANGAI - Lin Lu se lembra do dia, em dezembro, em que um empresário chinês apareceu na concessionária de veículos onde ele trabalha, no norte da China, e comprou uma BMW 5 Series Gran Turismo zero quilômetro -em dinheiro vivo.
"Um amigo dele trazia cerca de US$ 60 mil numa grande mala branca", disse Lin, "e o comprador tinha o resto em uma pesada mochila preta".
Carregar quase US$ 130 mil para uma concessionária pode parecer bizarro, mas não é exatamente incomum na China.
Afinal, este é um país onde compradores de imóveis pagam entradas com baús cheios de espessos maços de yuans, a moeda local, e escritórios de direito em grandes cidades contratam veículos blindados para entregar o dinheiro necessário ao pagamento dos salários mensais.
Apesar de toda a modernidade chinesa -os trens velozes e os arranha-céus imponentes-, analistas dizem que o país ainda prefere pagar as coisas à moda antiga, com dinheiro vivo.
Para fazer negócios na China é preciso muito dinheiro, porque as autoridades se recusam a emitir cédulas de valor superior a cem yuans -o equivalente a US$ 16.
Desde 1988, a nota de cem yuans, adornada pelo rosto de Mao Tsé-tung, é a maior em circulação, embora a economia tenha crescido 50 vezes. Nenhuma grande economia se limita a cédulas de tão baixo valor.
Economistas e funcionários públicos chineses frequentemente sugerem que a emissão de cédulas de valor mais elevado poderia alimentar a inflação. Mas há outra razão.
"Estou convencido de que o governo não quer uma cédula maior por causa da corrupção", disse Nicholas Lardy, principal autoridade em economia chinesa no Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington.
"Em vez de baús cheios de dinheiro para subornos, você teria as pessoas usando envelopes. Haveria mais dinheiro indo embora do país."
Tantas compras, subornos e poupanças obrigam a China a imprimir muito papel-moeda. A China, que há um milênio foi o primeiro governo a imprimir papel-moeda, responde por cerca de 40% de toda a produção mundial de cédulas em papel.
Embora as cidades litorâneas chinesas tenham florescido durante os 30 anos de prosperidade econômica, economistas dizem que o interior continua pobre e desconectado dos aspectos mais modernos do sistema financeiro. Por isso, os pobres preferem fazer negócios em dinheiro vivo.
Os ricos também gostam de negociar em espécie e habitualmente escondem seu dinheiro na economia informal, a fim de evitar o escrutínio do governo.
"O chinês médio não confia nem nos bancos chineses nem no Partido Comunista", disse Friedrich Schneider, especialista em economias paralelas e professor de economia na Universidade Johannes Kepler, em Linz, na Áustria.
A falta de confiança estimula um jogo entre o governo e seus cidadãos, dizem analistas. Executivos de empresas estatais fazem transações secretas em espécie para ganhar comissões de consultoria por fora.
O governo responde tentando penetrar na vasta economia informal, onde as transações são feitas quase que exclusivamente em dinheiro vivo.
Com frequência, os infratores são os próprios funcionários públicos que deveriam estar fiscalizando as leis.
É o caso de Wen Qiang, ex-chefe de polícia na cidade de Chongqing. Ele foi flagrado em 2009 com uma quantia em yuans equivalente a quase US$ 1 milhão, cuidadosamente envolta em sacos plásticos e escondida em uma caixa d'água na casa de um parente.
Para controlar as transferências ilegais de dinheiro, a China restringe as transferências financeiras internacionais e impõe limites ao câmbio.
Há também a questão dos roedores. Em março, um trabalhador migrante em Xangai descobriu que ratos haviam estraçalhado com os dentes os US$ 1.200 que sua mulher guardara em um armário.
Um banco local aceitou trocar o dinheiro se o homem conseguir remontar pelo menos três quartos de uma cédula.
"Mas as notas estão agora em pequenos pedaços. É quase impossível consertá-las", disse esse trabalhador, Zhao Zhiyong, 37. "Quem poderia saber que o dinheiro seria mascado por ratos?"
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