Já seria suficiente má notícia saber que os países que usam o euro entraram, no primeiro trimestre, na mais longa recessão desde o lançamento da moeda única. Mas tão grave quanto o retrocesso econômico é o desastre social, caracterizado pelas 20 milhões de pessoas desempregadas, como consequência de 23 trimestres consecutivos de aumento do desemprego.
É a comprovação estatística do que a mídia chama de "austericídio".
Não se trata de um castigo divino aos países do sul, tidos como irresponsáveis cigarras que passaram o verão cantando enquanto a formiga Alemanha trabalhava duro para ter o que comer ao chegar o inverno.
A virtuosa Alemanha cresceu magérrimo 0,1% no primeiro trimestre. Outro país "sério", a Holanda, também sofre um desemprego de 8,1%, o mais alto em 30 anos.
À catástrofe econômico-social, é imprescindível acrescentar a falência da política --e dos políticos--, o que leva ao fim do sonho europeu.
Escreve, por exemplo, José Maria Ridao, lúcido analista espanhol, para "El País": "A União Europeia já não é associada a bem-estar e progresso, mas a desemprego e exclusão social".
Reforça o conservador presidente português, Cavaco Silva: "É indiscutível que se instalou na sociedade portuguesa uma fadiga de austeridade' associada à incerteza sobre se os sacrifícios feitos são suficientes e, mais do que isso, se estão a valer a pena".
A fadiga estendeu-se pela Europa toda, dando lugar a uma explosão de partidos xenófobos, nacionalistas, antissistema ou diretamente nazifascistas, como é o caso da "Aurora Dourada" na Grécia, não por acaso o país que serviu de ratinho de laboratório para as políticas de austeridade.
Cada pesquisa sobre intenção de voto na Europa assusta mais o establishment. Mesmo fora da zona do euro, o Reino Unido não escapa à tendência (nem à recessão, de resto): a mais recente pesquisa mostra que nenhum dos dois grandes partidos habituais (Trabalhista e Conservador) teria maioria suficiente para governar, se houvesse uma eleição agora, nem coligando-se com os Liberais Democratas, habitual "tertius".
Culpa de um partido nacionalista (UKIP ou Partido pela Independência do Reino Unido), que recolheria 18% dos votos, cifra absolutamente impensável há um ou dois anos.
Na Espanha é a mesma coisa: pela primeira vez na história, a soma dos dois grandes partidos (o Popular, conservador, e o Socialista Operário, social-democrata) não chega a 50% dos votos, quando, na eleição mais recente (novembro de 2011) levavam juntos 73,3%.
Parece a comprovação de que boa parte dos europeus concorda com Clyde Prestowitz, presidente do Instituto de Estratégia Econômica, decepcionado fã do modelo europeu, que escreve: "O que realmente lamento é o fato de que os gigantes que construíram a União Europeia se foram, e os pigmeus que tomaram seus lugares estão todos dizendo não' à Europa".
A recessão recorde eventualmente será superada, mas restabelecer o sonho levará mais tempo, se é que pigmeus conseguem recuperá-lo.
Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo.
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