Em grupos que defendem a falecida ditadura militar é visível uma certa comoção a cada denúncia que aparece sobre as violências cometidas naquele período. Quando se fala em estupro, sequestro, ocultação de cadáver e outros crimes cometidos por agentes que atuavam acobertados pelo aparato do Estado, esses grupos torpedeiam portais de noticias, blogs e fóruns de leitores com mensagens destinadas a desvalorizar os relatos e a Comissão Nacional da Verdade.
Dizem que deveria se chamar comissão da meia verdade e que foi criada pelo PT para investigar só os crimes cometidos por policiais e militares. Perguntam: e os crimes cometidos pelos militantes de esquerda que pegaram em armas, assaltaram bancos e cometeram outras violências?
Também investem contra meios de comunicação e jornalistas: por que não mostram os dois lados? Por que desenterram o passado em vez de se preocupar com coisas mais importantes, como o mensalão e outras denúncias contra o PT? Por que o jornalista não diz que em 1964 o Brasil estava à beira de um abismo? Se não houvesse o golpe militar e a violência que trouxe em seu bojo, argumentam, teríamos virado uma Cuba.
No fundo, continuam os mesmos. Não gostam da liberdade de imprensa.
A ditadura controlava o que os jornais diziam. Notícias desabonadoras para o regime eram vetadas. A lista de assuntos interditos variava de denúncias de tortura a reportagens sobre casos de corrupção que grassavam no governo. Em 1974 chegaram a proibir notícias sobre a epidemia de meningite que apavorou São Paulo e causou centenas de mortes.
Vigiavam as redações com a suspeita de que não passavam de valhacoutos de comunistas. Afinal, a quem interessava, senão aos comunistas, denunciar que o governo falhara na prevenção da epidemia de meningite?
Para que dizer que opositores do regime eram arrancados de suas casas à noite, diante de mulheres e filhos, e levados para locais ignorados, sem direito a defesa, sem qualquer informação para a família, para os advogados e os juízes e sem qualquer possibilidade de habeas corpus?
A retórica desses grupos precisa ser atualizada. Alguém acredita, sinceramente, que a imprensa não dá atenção ao mensalão? Que as lambanças do PT não são denunciadas?
O mesmo se pode dizer em relação ao terrorismo de esquerda, lembrado pelo coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra em seu depoimento à Comissão da Verdade, após solicitar um habeas corpus na Justiça Federal. O insulto dele à presidente Dilma, chamando-a de terrorista, está velho e empoeirado. Já foi explorado de todas as maneiras desde o momento em que o nome dela começou a ser cogitado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo.
Quantos aos militantes de esquerda que pegaram em armas, é mais que sabido que pagaram pelos seus atos. Uma parte deles foi caçada, localizada e executada barbaramente pelos agentes de Estado. A outra parte, a que sobreviveu, foi julgada e condenada à prisão por auditorias militares. A presidente Dilma teve a sorte de fazer parte do segundo grupo.
Há milhares e milhares de páginas nos arquivos militares sobre cada um desses militantes. Ao contrários dos arquivos com informações sobre mortos e desaparecidos, elas são públicas.
A questão central é que desde o fim da ditadura, em 1985, o Brasil tenta em vão descobrir a verdade sobre o que não foi dito, os fatos ocorridos nos porões do Estado autoritário. Foi para isso que a Comissão Nacional da Verdade surgiu.
Ela nasceu de uma lei aprovada democraticamente no Congresso, com a tarefa de investigar e esclarecer as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado contra cidadãos que deveria proteger. Não é uma exclusividade brasileira: todas as comissões da verdade criadas no mundo agiram da mesma direção.
Seria mais interessante, a essa altura dos debates, que as viúvas da ditadura ajudassem a esclarecer os fatos investigados e prestassem atenção ao debate em torno da Lei da Anistia. Atacar a imprensa, o passado já demonstrou, não é o melhor caminho.
Texto de Roldão Arruda, em O Estado de São Paulo, visto no Blog do Juremir Machado da Silva.
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